As fugas de informação sobre o Processo Influencer, em investigação sob segredo de justiça, têm destilado, selectiva e cirurgicamente, notícias desinseridas do contexto e apresentadas de forma a que sejam consideradas “do dia”. Recentemente, foi titulada como actual informação um despacho do MP afirmando haver receio de fuga de um dos arguidos, percebendo-se, afinal, que o excerto consta da alegação de recurso interposto das medidas de coacção aplicadas pelo JIC. Oportunisticamente, no dia do início do Congresso do partido do ainda primeiro-ministro, surge com grande alarido e exposição a notícia de que aquele é suspeito da prática de um crime de prevaricação, em investigação no STJ. Porém, esta revelação mostra-se desadequada no tempo porquanto, desde o momento em que parte do processo foi disponibilizada a advogados, jornalistas e terceiros tiveram também acesso, através de cópias das peças processuais mais relevantes e, entre elas, a fundamentação da remessa da certidão ao STJ para instauração de inquérito contra António Costa. Desde então, passaram quase dois meses, mas só agora foi divulgado. Obviamente, os críticos do costume apontam o eterno culpado para a divulgação obscena destes segmentos processuais: o MP. Os magistrados, porém, não têm qualquer interesse ou vantagem nestas fugas selectivas que, neste caso como nos outros, só surgem quando outros sujeitos processuais e entidades terceiras têm acesso a partes da investigação. Assiste-se a uma pressão e ofensa sistemáticas e inadmissíveis relativamente à idoneidade, objectividade e honorabilidade dos magistrados, que têm como missão investigar todas as suspeitas credíveis de prática de crime, procurando apurar a verdade, seja contra ou a favor dos suspeitos. É intolerável a afirmação genérica e permanente de que é o MP que viola o seu próprio trabalho. A fase de inquérito é fundamental e necessária ao balizamento e enquadramento de uma acusação sustentável em julgamento, este delimitado pela peça acusatória. Só cerca de 30% das investigações conduzem a acusação e, por isso, estas têm de realizar-se na máxima confidencialidade num xadrez cujas peças têm de ajustar-se o mais possível à realidade, partindo-se do nada. Acresce que o MP, se pretender divulgar qualquer notícia, qualquer informação sobre determinado inquérito pode fazê-lo, sempre que o entender necessário e útil, porque a lei expressamente lho permite. Mas estas violações sinuosas do segredo de justiça só poderão ser ultrapassadas, creio, quando o poder legislativo assumir a alteração drástica e corajosa da incriminação do crime de violação de segredo de justiça.

A autora escreve segundo a antiga ortografia

QOSHE - Fugas selectivas de informação - Cândida Almeida
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Fugas selectivas de informação

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14.01.2024

As fugas de informação sobre o Processo Influencer, em investigação sob segredo de justiça, têm destilado, selectiva e cirurgicamente, notícias desinseridas do contexto e apresentadas de forma a que sejam consideradas “do dia”. Recentemente, foi titulada como actual informação um despacho do MP afirmando haver receio de fuga de um dos arguidos, percebendo-se, afinal, que o excerto consta da alegação de recurso interposto das medidas de coacção aplicadas pelo JIC. Oportunisticamente, no dia do início do Congresso do partido do ainda primeiro-ministro, surge com grande alarido e exposição a notícia de que aquele é suspeito da prática de um crime de prevaricação, em........

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