O programa eleitoral para a Justiça apresentado pela AD é demasiado genérico para que se possa antecipar a sua eficiência e eficácia. Afirma que “no combate à morosidade da justiça e do tratamento da litigância complexa, a solução terá de passar por várias medidas, algumas… requerem intervenção legislativa, outras… uma nova visão do processo… novas técnicas de gestão processual…”. Sobre a “celeridade processual”, propõe “desenvolver alterações da legislação processual penal no sentido de combater a formação dos chamados megaprocessos que entorpecem a acção dos Tribunais…”. Os casos que provocam megaprocessos, embora muito mediáticos, constituem uma percentagem mínima face aos milhares de processos que correm nos tribunais. Referem-se, sobretudo, ao crime organizado, violento e terrorista e a crimes de natureza económico-financeira, que, pela sua especificidade, são praticados pelo chamado “colarinho branco”. Estes senhores do crime têm ao seu serviço os “peritos” necessários à criação de esquemas fraudulentos que disfarçam de legal o que é ilegal para alcançarem o máximo lucro ilícito em tempo recorde. Criam empresas-fantasma, fabricam documentos falsos, facturas, contratos, declarações de dívida e de crédito, fazem percorrer nos vários bancos os milhões de euros “sujos”, compram casas, veículos de luxo que colocam em nome de familiares, co-autores, cúmplices, amigos, até tudo desaguar em offshores de acesso difícil ou mesmo interdito. Toda esta montagem artificial e falsa tem de ser escalpelizada pela investigação, objecto de perícias complexas para que possam ser levadas à acusação, sustentada em prova indiciária susceptível de permitir condenações. Como subdividir um processo, cujos factos criminosos se encadeiam uns nos outros e que só apreciados no seu conjunto se poderá concluir pela culpa daqueles? A sua desconstrução beneficia os arguidos. Para além de em cada julgamento parcelar não haver noção do todo, as condenações serão em pena relativamente baixa porque não se está a julgar uma actuação única fortemente lesiva dos interesses económicos do país, dos cidadãos e, até, de vítimas directas desta actuação. A responsabilidade criminal só pode ser ponderada se o julgamento, único, permitir reconstruir a carreira criminosa dos autores, de contrário, a culpa e respectiva pena serão menores, porque o Tribunal só aprecia factos parciais. Acresce que poderá acontecer, é o mais natural, que os julgamentos parciais sejam realizados por diferentes tribunais e a prova pode enfraquecer ou diluir-se e os arguidos serem condenados nuns e absolvidos noutros. O cúmulo das penas não será muito acima da pena parcial mais grave aplicada, o que não acontecerá se o tribunal puder julgar todo um percurso criminoso a exigir uma pena de prisão grave. Em conclusão, os megaprocessos são em percentagem mínima e são necessários. Retirá-los da vivência processual será subvalorizar a aplicação da justiça.

A autora escreve segundo a antiga ortografia

QOSHE - Os megaprocessos - Cândida Almeida
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Os megaprocessos

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07.04.2024

O programa eleitoral para a Justiça apresentado pela AD é demasiado genérico para que se possa antecipar a sua eficiência e eficácia. Afirma que “no combate à morosidade da justiça e do tratamento da litigância complexa, a solução terá de passar por várias medidas, algumas… requerem intervenção legislativa, outras… uma nova visão do processo… novas técnicas de gestão processual…”. Sobre a “celeridade processual”, propõe “desenvolver alterações da legislação processual penal no sentido de combater a formação dos chamados megaprocessos que entorpecem a acção dos Tribunais…”. Os casos que provocam megaprocessos, embora muito mediáticos, constituem uma percentagem mínima face aos milhares de processos que correm nos tribunais.........

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