Já sabe o que vai fazer para o jantar? Não? No meio de tantos livros de receitas criativas que saem todos os anos, os que ensinam a fazer pratos que dão para si e para o bobi lá de casa ou receitas que ajudam a alinhar os chacras, nunca mais aparece um que ensine a cozinhar com oxigénio e aquelas migalhas que ficam perdidas no saco do pão, não é? Fica a dica para best-seller do próximo Natal.

É que ainda nem a meio de janeiro vamos e o salário já está a acabar. Isto porque, segundo a Deco, o preço do cabaz essencial aumentou mais 19 euros em comparação com o ano passado. Dezanove euros. O que é ótimo! Alimentos e ingredientes mais caros igual a produtos gourmet. Quem comprava legumes para fazer uma panela de sopa para dar para a semana toda não está a fazer uma sopa de alho-francês e batata, está a fazer uma vichyssoise. E também servida fria, que a fatura do gás e da luz também aumentaram entretanto. Dos bens alimentares que aumentaram o preço, os que mais encareceram foram o azeite, a laranja, o atum e as salsichas-frankfurt. Os estudantes universitários estão tramados. Lá se vai a tradição da massa com atum ou massa com salsichas.

Como é cada vez mais difícil a famílias com poucos rendimentos dar um jantar como deve ser, como amante de cozinha, deixo-vos esta dica: começar a fazer da nossa casa um autêntico restaurante de estrela Michelin: porções pequenas e algum mau humor da parte de quem cozinha. “Mãe, o que é hoje o jantar?” É um quadradinho de batata e um pedaço de carne. Tcharan! Rojões à minhota desconstruídos.

Há palavras especiais. A palavra desconstrução é uma delas. Ninguém dava nada por ela e, de repente, toda a gente a começou a usar. É em menus de restaurante. É no discurso autodenominado progressista. Malta que esteja a passar uma fase de baixa autoestima, se a palavra desconstrução se tornou importante, qualquer um pode dar a volta por cima. É que, pela quantidade de vezes que se diz, parece que estamos todos em desconstrução e quem não está, aparentemente, deveria estar. A desconstrução está mesmo na moda. As pessoas estão em desconstrução, o arroz de pato vem para a mesa desconstruído e eu, apesar de pertencer à geração millennial, sou do tempo em que o que era bonito era construir. Aliás, nós recebíamos uma caixa de legos e ficávamos ali, todos contentes, três horas a construir. Hoje em dia, dão às crianças as peças já montadas para não as agredir com construções. Mas isto são outras conversas.

A verdade é que comer fora também rebenta com qualquer orçamento familiar, e é por isso que temos de arranjar estratégias para não perdemos o aspeto social que ir ao restaurante com amigos nos traz. O facto é que eu própria, quando dou jantares lá em casa, apresento a fatura no final: tudo a dividir e as crianças com menos de sete anos só pagam metade. Ah, mas não beberam vinho. Porque não quiseram. Estava na mesa. Mas não fiquem a pensar que sou uma besta. Não faço aquilo de incluir a gratificação no preço final.

QOSHE - Levamos uma cabazada - Cátia Domingues
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Levamos uma cabazada

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14.01.2024

Já sabe o que vai fazer para o jantar? Não? No meio de tantos livros de receitas criativas que saem todos os anos, os que ensinam a fazer pratos que dão para si e para o bobi lá de casa ou receitas que ajudam a alinhar os chacras, nunca mais aparece um que ensine a cozinhar com oxigénio e aquelas migalhas que ficam perdidas no saco do pão, não é? Fica a dica para best-seller do próximo Natal.

É que ainda nem a meio de janeiro vamos e o salário já está a acabar. Isto porque, segundo a Deco, o preço do cabaz essencial aumentou mais 19 euros em comparação com o ano passado. Dezanove euros. O que é ótimo! Alimentos e ingredientes mais caros igual a produtos gourmet. Quem comprava legumes para fazer uma panela de sopa para dar para a semana toda........

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