Após a última crónica, recebi algumas mensagens sobre a questão dos alunos que escrevem em português do Brasil nas escolas portuguesas. Algumas professoras disseram que não se avaliam as diferenças como erro de ortografia ou sintaxe, mas que muitas colegas “mais conservadoras” são implacáveis na crítica quando a formulação de frase ou a grafia não correspondia à norma portuguesa. Algumas pessoas escreveram a dizer que eu, como “mulher das palavras”, tinha a “obrigação” de proteger a “integridade” da língua portuguesa e que isso passaria por defender a pulso a imposição da nossa norma nas escolas nacionais. Já uma mãe brasileira escreveu queixando-se de que a questão da língua afetava a autoconfiança da filha, que sempre fora boa aluna, mas que perante a reação de alguns professores à sua escrita nos testes (por ainda escrever em português do Brasil em algumas ocasiões), desenvolveu algumas inseguranças que prejudicam o seu aproveitamento, nomeadamente porque não escreve tanto nas respostas a perguntas de desenvolvimento, com receio de dar “erros”.

Já se tinha percebido que esta questão levanta grandes paixões, aquando da polémica que surgiu há um par de anos, sobre o facto de, ao que parece, haver cada vez mais crianças portuguesas que, por causa do YouTube, falam português com sotaque e vocabulário brasileiro. Reparei, na altura, que a grande indignação que movia a turba das redes sociais, era a perda da “nossa identidade linguística” e não o preocupante facto de haver crianças que passam tantas horas em frente a um ecrã que, em vez de falar como os seus pais ou professores, começaram a falar com sotaque de um país onde não residem (!?). Enfim, às vezes é imprevisível o potencial fraturante de um tema.

Ora, parece-me óbvio que, com o passar do tempo e da adaptação, as crianças brasileiras que vivem em Portugal se aproximarão da norma portuguesa na oralidade e na escrita. Considero importante que os professores assinalem as diferenças na formulação de frases e no vocabulário, para que as crianças as identifiquem, mas não vejo razão para tomá-las como erros. Primeiro porque, factualmente não o são e, segundo, porque não há nenhum benefício na crítica. Tratam-se de crianças em adaptação a um país novo, que precisam de tempo e de acolhimento.

Além do mais, se é uma questão de conservadorismo, há que dizer que o português é uma língua pluricêntrica, e que o do Brasil é inclusivamente mais parecido com o português antigo do que o “nosso” (na manutenção das consoantes mudas, no uso do “você” como abreviatura do “vosmecê”, por exemplo) e que, se não o valorizamos pela fidelidade ao passado, pensemos no futuro. Os brasileiros são mais de duzentos milhões e são a salvação da língua portuguesa. Sem eles, o nosso pequeno país envelhecido pouco conservará e a própria ideia de “impor uma norma” torna-se ridícula.

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A norma

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23.01.2024

Após a última crónica, recebi algumas mensagens sobre a questão dos alunos que escrevem em português do Brasil nas escolas portuguesas. Algumas professoras disseram que não se avaliam as diferenças como erro de ortografia ou sintaxe, mas que muitas colegas “mais conservadoras” são implacáveis na crítica quando a formulação de frase ou a grafia não correspondia à norma portuguesa. Algumas pessoas escreveram a dizer que eu, como “mulher das palavras”, tinha a “obrigação” de proteger a “integridade” da língua portuguesa e que isso passaria por defender a pulso a imposição da nossa norma nas escolas nacionais. Já uma mãe brasileira escreveu queixando-se de que a questão da língua afetava a autoconfiança........

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