O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) quis conhecer os hábitos de leitura dos universitários, mas poucos estudantes responderam a esse inquérito. Quem trabalha no Ensino Superior conhece bem a dificuldade em motivar os seus alunos a lerem textos científicos. Poucos têm disponibilidade para se dedicarem a esse tipo de trabalho autónomo que exige tempo e atenção. Esse é um dado que deveria levar a refletir sobre os (in)sucessos da Reforma de Bolonha.

Há 30 anos, quando iniciei o meu percurso como professora universitária, era simples pôr os alunos a lerem uma extensa bibliografia de uma disciplina. Lembro-me de recomendar determinada obra numa aula e, na semana seguinte, havia já um grupo razoável de estudantes com a leitura realizada e outros que reclamavam terem procurado exemplares na biblioteca que estiveram sempre requisitados, dada a procura. Hoje já não me atrevo a apresentar obras de leitura obrigatória. Substituí-as por artigos publicados em revistas científicas, porque são menos extensos e faço-o em modo indicativo. Quando corrijo os testes, constato invariavelmente que quase ninguém seguiu essas recomendações. Ora, quando os respondentes ao inquérito do MCTES confessam que não gostam de leituras de teor académico só se espanta quem não conhece este meio.

No entanto, essa indiferença deve merecer uma reflexão profunda. Quando no início deste século as universidades portuguesas adotaram a Reforma de Bolonha, reformulando os planos curriculares dos seus projetos de ensino, sobretudo das licenciaturas, acreditava-se que esse tempo de formação deveria ser reduzido para três ou quatro anos, que as disciplinas poderiam fazer-se ao ritmo semestral e que a carga horária em modo presencial poderia ser bem menor. Em contrapartida, os estudantes teriam a seu cargo um expressivo tempo de trabalho autónomo. Acontece, porém, que esses alunos precisam, na minha perspetiva, de mais aulas e de mais acompanhamento.

No inquérito “Hábitos de leitura dos estudantes do Ensino Superior” cujos primeiros resultados deste exercício-piloto se conheceram esta semana, constatou-se que os jovens têm uma leitura intensa de redes sociais, preferem ler conteúdos jornalísticos em suporte digital e continuam a gostar da versão impressa quando se trata de livros. São dados positivos que poderiam (deveriam) ser mais bem trabalhados em contexto escolar.

É um erro dizer que os estudantes não gostam de ler. Talvez do que mais precisam é de serem apoiados no desenvolvimento dessa leitura. A sala de aula é um espaço excelente para isso. Desde que haja tempo e espaço nos programas curriculares.

QOSHE - Do tempo que a leitura reclama - Felisbela Lopes
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Do tempo que a leitura reclama

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22.12.2023

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) quis conhecer os hábitos de leitura dos universitários, mas poucos estudantes responderam a esse inquérito. Quem trabalha no Ensino Superior conhece bem a dificuldade em motivar os seus alunos a lerem textos científicos. Poucos têm disponibilidade para se dedicarem a esse tipo de trabalho autónomo que exige tempo e atenção. Esse é um dado que deveria levar a refletir sobre os (in)sucessos da Reforma de Bolonha.

Há 30 anos, quando iniciei o meu percurso como professora universitária, era simples pôr os alunos a lerem uma extensa bibliografia de uma disciplina. Lembro-me de recomendar........

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