Ao longo da História, as guerras sempre motivaram inovações de diferente natureza. No conflito bélico da Ucrânia, o trabalho conjunto de gigantes tecnológicos norte-americanos com as forças armadas ucranianas está a potenciar um colossal desenvolvimento da inteligência artificial (IA) em ambiente militar. Estaremos nós a evoluir para contextos em que as empresas tecnológicas poderão exercer um poder descomunal a nível geoestratégico? A resposta é cada vez mais afirmativa.

O número desta semana da “Time” é esclarecedor. Anunciando em capa “a primeira guerra da IA”, a revista norte-americana explica-nos de que modo grandes empresas como a Palantir, Microsoft, Amazon, Google e Starlink têm vindo a instalar escritórios seus na Ucrânia para aí criar verdadeiros laboratórios para desenvolver tecnologias militares. Também a polémica empresa norte-americana de reconhecimento facial Clearview AI, que fornece softwares para estruturas governamentais e policiais, terá disponibilizado ferramentas a mais de 1500 funcionários ucranianos para identificarem, segundo a “Time”, mais de 230 mil russos. Outro polo catalisador de interesse é a produção de drones autónomos que levou várias empresas americanas e europeias a estabelecerem-se em Kiev. Este tema tem, aliás, amplo destaque na última edição da revista “The Economist”.

O caso da Palantir ilustra bem esta opção tecnológica: o seu software - que usa IA para analisar imagens de satélite, dados de código aberto, imagens de drones e relatórios sobre opções militares - é, de acordo, com várias fontes ouvidas pelos jornalistas da “Time”, responsável pela maior parte dos ataques na Ucrânia. Mas o seu uso ultrapassa o terreno de combate, sendo também adotado para fazer a limpeza de minas terrestres, identificar refugiados deslocados, ajudar na erradicação da corrupção ou recolher provas de crimes de guerra. À revista norte-americana, o procurador-geral da Ucrânia, Andriy Kostin, reconheceu que o software da Palantir é precioso para processar dados de alegados crimes de guerra russos.

Com o conflito na Ucrânia, deu-se, de facto, um passo gigante no que à defesa diz respeito. Paralelamente às armas no terreno, importa agora os conflitos que se travam com software e IA, transferindo-se, assim, o campo das decisões militares para algoritmos dominados por gigantes tecnológicos de expressão global. Neste caso, a maioria das empresas que se instalaram na Ucrânia alinha-se com os objetivos de segurança do país e, não menos relevante, dos EUA, mas o que acontecerá quando não for assim?

QOSHE - IA, a outra guerra na Ucrânia - Felisbela Lopes
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IA, a outra guerra na Ucrânia

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09.02.2024

Ao longo da História, as guerras sempre motivaram inovações de diferente natureza. No conflito bélico da Ucrânia, o trabalho conjunto de gigantes tecnológicos norte-americanos com as forças armadas ucranianas está a potenciar um colossal desenvolvimento da inteligência artificial (IA) em ambiente militar. Estaremos nós a evoluir para contextos em que as empresas tecnológicas poderão exercer um poder descomunal a nível geoestratégico? A resposta é cada vez mais afirmativa.

O número desta semana da “Time” é esclarecedor. Anunciando em capa “a primeira guerra da IA”, a revista norte-americana explica-nos de que modo grandes........

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