Em 2015, escrevi um livro com o título desta crónica. Ouvi uma centena de jornalistas a quem perguntei o que mais atormentava a profissão. Muitos apontaram os constrangimentos financeiros. Volvida uma década sobre essa publicação, tudo continua (demasiado) atual. E isso não faz sentido, quando pensamos o Jornalismo enquanto bem público que é.

Tomemos em conta o que alguns jornalistas me disseram, quando os confrontei com as limitações do seu trabalho: “O cartão de crédito substituiu o lápis azul”; “A decadência do atual modelo de negócio de que dependem as empresas jornalísticas, associado à crise económica dos últimos anos, constitui o maior, o mais presente e mais grave constrangimento ao exercício da atividade”; “Os projetos editoriais foram ‘engolidos’ pelos projetos comerciais. As direções foram ‘sequestradas’ pelas administrações, que, por sua vez, foram ‘sequestradas’ pelos anunciantes”; “Os grandes constrangimentos são a desvalorização da mão de obra e a precariedade laboral que podem impedir as pessoas de lutar pelo que sentem ser o correto”; “Hoje, a globalização económico-financeira, a concentração de propriedade dos média ou a desregulação do setor trazem, sob a forma da precariedade laboral, da total dependência das receitas comerciais ou da desqualificação da autonomia do jornalista, novos constrangimentos à liberdade de imprensa”; “Alguns responsáveis editoriais adotaram um princípio totalmente errado: aquele segundo o qual só podemos ser independentes se formos rentáveis (até chegar à rentabilidade, temos de fazer cedências). Isto gerou uma espécie de espiral recessiva: quanto menos independentes, menos rentáveis”; “Podemos publicar tudo o que queremos, mesmo num regime democrático e politicamente pluralista? Não. Desde logo porque os meios para produzir informação são cada vez mais restritos. Depois porque o controlo financeiro sobre os média tem levado a uma autocensura que se reflete nos conteúdos produzidos”. Os depoimentos desta natureza multiplicam-se no livro. E isso significa que os jornalistas estavam preocupados. E os anos que passaram agudizaram estas preocupações.

Ontem os jornalistas estiveram em greve, lutando por uma profissão digna. As suas reivindicações são justas e não deveriam ser necessárias, quando pensamos o Jornalismo enquanto bem público, ou seja, enquanto bem essencial, disponível para todos, assente em informações fiáveis e em factos imprescindíveis para os cidadãos participarem numa sociedade livre e aberta. Ora, numa situação de grave crise financeira como a atual, o Estado deveria promover apoios públicos que garantissem o funcionamento estável ao setor. É esse importante debate que importa abrir. E concretizar.

QOSHE - Jornalista, uma profissão ameaçada - Felisbela Lopes
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Jornalista, uma profissão ameaçada

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15.03.2024

Em 2015, escrevi um livro com o título desta crónica. Ouvi uma centena de jornalistas a quem perguntei o que mais atormentava a profissão. Muitos apontaram os constrangimentos financeiros. Volvida uma década sobre essa publicação, tudo continua (demasiado) atual. E isso não faz sentido, quando pensamos o Jornalismo enquanto bem público que é.

Tomemos em conta o que alguns jornalistas me disseram, quando os confrontei com as limitações do seu trabalho: “O cartão de crédito substituiu o lápis azul”; “A decadência do atual modelo de negócio de que dependem as empresas jornalísticas, associado à crise económica dos últimos anos, constitui o maior, o mais presente e mais........

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