Nos últimos dias, os média (inter)nacionais vêm puxando as manifestações dos agricultores para o topo dos alinhamentos noticiosos. Se a força do protesto vem ganhando mais músculo, o descontentamento é antigo. Em território europeu, os problemas da agricultura têm estado longe das prioridades políticas e do olhar dos média. E isso tem feito crescer esta verdadeira bomba-relógio.
Num livro escrito em 2001 sobre as lógicas sociais, profissionais e normativas da informação televisiva em França, o sociólogo Sébastien Rouquette interrogava-se sobre as razões por que os jornalistas não conversam com certo tipo de fontes. O exemplo dado foi o dos agricultores. A resposta era simples e, ao mesmo tempo, demolidora: não o fazem porque não sabem o que perguntar, porque a realidade desse universo está muito longe de uma cultura urbana que há muito tomou conta das redações. Poder-se-ia dizer o mesmo dos políticos. Na verdade, os verdadeiros problemas dos agricultores são desconhecidos, e desvalorizados, por parte de quem toma decisões.

Ontem, a revista “L’Express” publicava um artigo intitulado “Agricultores: a história secreta de uma ira”, em que se relatava que, a 11 de dezembro, o presidente francês, de visita a Toulouse, chamou para uma reunião o presidente e o adjunto da federação departamental dos sindicatos de explorações agrícolas, para conversarem sobre a crise do setor. No dia, foi-lhes comunicado que reuniriam com um conselheiro do Eliseu e, quando chegaram ao local combinado, deram conta de que afinal iriam conferenciar por vídeo com colaboradores de última linha de Emmanuel Macron. Os dois homens abandonaram a sala, desolados por tamanho desprezo.

Com os tratores na rua, presidente e primeiro-ministro francês têm tentado acalmar os ânimos, anunciando sucessivas medidas de proteção. Em Portugal, procurou-se antecipar os protestos com o anúncio acelerado de medidas por parte dos ministros das Finanças e da Agricultura.

O problema é de difícil resolução, porque é estrutural. Em França, como noutros países europeus, os agricultores debatem-se com uma inflação galopante que fez aumentar brutalmente os custos, com condições cada vez mais adversas da meteorologia, com regras apertadas de produção e com a concorrência imbatível de produtos importados. Para além de envelhecida, a classe está cada vez mais empobrecida. A revista “L’Obs” escrevia ontem que, entre 2000 e 2016, a França perdeu um quarto dos seus ativos agrícolas.

Mais do que apoios pontuais, a agricultura necessita de um novo modelo: mais bem remunerado, mais resiliente ao clima, mais respeitador dos ecossistemas. Tudo isto é impossível em pouco tempo e, acima de tudo, em tempo de acesas pré-campanhas eleitorais em vários geografias.

QOSHE - O protesto dos agricultores - Felisbela Lopes
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O protesto dos agricultores

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02.02.2024

Nos últimos dias, os média (inter)nacionais vêm puxando as manifestações dos agricultores para o topo dos alinhamentos noticiosos. Se a força do protesto vem ganhando mais músculo, o descontentamento é antigo. Em território europeu, os problemas da agricultura têm estado longe das prioridades políticas e do olhar dos média. E isso tem feito crescer esta verdadeira bomba-relógio.
Num livro escrito em 2001 sobre as lógicas sociais, profissionais e normativas da informação televisiva em França, o sociólogo Sébastien Rouquette interrogava-se sobre as razões por que os jornalistas não conversam com certo tipo de fontes. O exemplo dado foi o dos agricultores. A resposta era simples........

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