Interroguei uma dessas "bibliotecas" e o sentimento transmitido foi de frustração: o Porto tinha movimento, alegria e gente nas ruas. Pelas sete da manhã, os ardinas corriam apregoando os jornais e, nos cafés, Janeiro, Comércio e Notícias eram lidos de fio a pavio. Os eléctricos vinham apinhados por quem ia para os empregos. As lojas abriam portas e as mangueiras regavam passeios e limpavam as montras.
Vendedores ambulantes vendiam de tudo. Os "ceguinhos" tocavam violas, banjos, rabecas, trompetes e saxofones, acompanhando fados cantados com vozes de cana rachada e versos chorando dramas de faca e alguidar. O Mercado da Rua Escura apinhava-se de gente e os pregoeiros chamavam a freguesia, numa algaraviada que ninguém entendia. Era o povo na sua luta diária e o Porto, alfobre de iniciativa, vivia em paz. Mas quando lhe cheirava a esturro, a garra vinha ao de cima. Que saudades!
Esta opinião sobre as transformações na Baixa é constante nos portuenses que a viveram nos tempos áureos. Não é justo, no entanto, atribuir aos malefícios do turismo as diferenças pressentidas. A decadência começou há dezenas de anos com o assalto bancário a quanto era comércio (até a esplendorosa “Arte Nova”, de meu pai, em Sampaio Bruno, fechou). Mas, vendo bem, talvez assistamos agora ao renascimento do melhor do Porto e ao repovoamento, com outros intérpretes, do centro do Burgo. Quando a confusão acabar, poderá suceder um surto de modernidade e regeneração. Espero estar cá para confirmar.
* Professor e escritor
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)