Vale a pena revisitar o artigo da procuradora Maria José Fernandes, inspetora do Ministério Público, que lhe valeu a abertura de um processo disciplinar. Publicada a 19 de novembro, no ambiente ainda quente que se seguiu à demissão do primeiro-ministro, a opinião não comenta diretamente a Operação Influencer (aliás, como sublinha a magistrada, não poderia fazê-lo “com total liberdade”), mas acaba por questionar a relação da investigação criminal com outros poderes.

O dever de reserva impede os magistrados de se pronunciarem sobre quaisquer processos judiciais, exceto em situações precisas previstas no estatuto. O artigo em causa, contudo, centra-se na organização do Ministério Público e não num caso em concreto, contrapondo ao caminho de reforço da autonomia individual, que tem sido seguido em Portugal, modelos com maior sujeição hierárquica tal como existem noutros países europeus.

É verdade que pela reflexão perpassam críticas ao modo de atuar ruidoso de alguns magistrados altamente mediatizados - com as balas perdidas a atingirem inevitavelmente o papel da comunicação social na cobertura de operações que visam titulares de cargos públicos. Mas não é menos verdade que é de modelo que se trata, de uma visão para o Ministério Público, carregada de apelos à autocrítica, a bem da “qualidade” e “excelência” da profissão.

Não será um acaso que a votação da abertura do processo disciplinar tenha dividido totalmente os magistrados (a favor) e os não magistrados indicados pela Assembleia da República (contra). A fronteira entre os vários poderes contribuirá para essa cisão, mas outra explicação é a tendência corporativa para, a coberto de deveres como a lealdade, se proibir a crítica aberta ao Ministério Público tal como está atualmente organizado.

O necessário dever de reserva quanto a processos concretos não deve ser pretexto para o silenciamento de visões contrárias e críticas. O poder do Ministério Público não é cego, nem decorre do simples facto de existir. Pelo contrário, será mais defendido pela capacidade de admitir o pensamento crítico.

QOSHE - A crítica no Ministério Público - Inês Cardoso
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A crítica no Ministério Público

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14.01.2024

Vale a pena revisitar o artigo da procuradora Maria José Fernandes, inspetora do Ministério Público, que lhe valeu a abertura de um processo disciplinar. Publicada a 19 de novembro, no ambiente ainda quente que se seguiu à demissão do primeiro-ministro, a opinião não comenta diretamente a Operação Influencer (aliás, como sublinha a magistrada, não poderia fazê-lo “com total liberdade”), mas acaba por questionar a relação da investigação criminal com outros poderes.

O dever de reserva impede os magistrados de se........

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