Não terão conta as vezes em que a palavra polarização é usada no espaço público, mas o facto de termos bem diagnosticado o ambiente crispado em que vivemos não nos tem ajudado a encontrar caminhos para o diálogo e para um posicionamento político assente na palavra e no pensamento. A democracia e os valores que ela nos devolveu exigem um combate sem tréguas, perante a ameaça que a extrema-direita representa. Esse combate pressupõe, no entanto, ouvir o que o outro tem para nos dizer, por muito que discordemos dos seus argumentos.

Sem equívocos, para evitar o risco de ler nestas palavras o que elas não dizem: não se trata de transigir ou de admitir cedências ao Chega, menos ainda de aceitar que deve haver qualquer negociação com o partido de André Ventura. A blindagem a propostas contrárias à nossa Constituição deve ser total e a luta contra a intolerância é tarefa a cumprir no Parlamento, nas ruas, no associativismo, no trabalho. Mas não se confunda o desprezo que as propostas merecem com a atitude a manter em relação a quem votou nelas. Péssimas ideias combatem-se com ideias melhores, discutidas com respeito e elevação. Dificilmente com a menorização de 1,169 milhões de pessoas.

Há uma linha ténue entre a convicção da justiça daquilo em que acreditamos e a arrogância de nos considerarmos moralmente, eticamente ou intelectualmente superiores seja a quem for. E procurar as causas de determinados fenómenos não os desculpabiliza, apenas nos obriga a entrar no contexto dos outros. Sem essa capacidade, estaremos a aprofundar trincheiras e sobretudo a não dar resposta aos problemas de quem se sente abandonado pelo chamado sistema.

Abril cultiva-se com educação, civismo, humanismo e mais literacia política. Preserva-se defendendo totalmente o direito a que o outro possa dizer o que pensa, por mais que discordemos dele. Promove-se mostrando caminhos e vivendo coerentemente valores, 365 dias por ano. No dia 10 houve uma vitória do azedume e do ódio. Não vejo como se combate o ódio usando a mesma receita.

QOSHE - Combater ódio com azedume - Inês Cardoso
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Combater ódio com azedume

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24.03.2024

Não terão conta as vezes em que a palavra polarização é usada no espaço público, mas o facto de termos bem diagnosticado o ambiente crispado em que vivemos não nos tem ajudado a encontrar caminhos para o diálogo e para um posicionamento político assente na palavra e no pensamento. A democracia e os valores que ela nos devolveu exigem um combate sem tréguas, perante a ameaça que a extrema-direita representa. Esse combate pressupõe, no entanto, ouvir o que o outro tem para nos dizer, por muito que........

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