O que se passa nas eleições regionais dos Açores e da Madeira costuma ficar por lá. Quando muito um líder partidário satisfeito com um resultado expressivo tenta capitalizar essa conquista, mas é ponto assente que há poucas leituras nacionais a fazer a partir de realidades e contextos tão particulares. Desta vez, a coincidência de calendários eleitorais muda totalmente o cenário. E os Açores, por mais que apregoem a sua autonomia, tornaram-se laboratório e campo de batalha para a disputa que nos leva às urnas a 10 de março.
Luís Montenegro iniciou a última semana a sorrir, conseguindo que José Manuel Bolieiro recusasse o namoro com o Chega e prometesse governar em minoria. Posição que de uma assentada lhe permitiu quebrar a narrativa socialista de colagem do PSD ao partido de André Ventura, ao mesmo tempo que atirou para o PS o ónus de decidir se viabilizaria um governo da coligação.
Apesar dos indícios de divisão entre os socialistas, Vasco Cordeiro anunciou que a bancada votará contra o programa de governo de Bolieiro e acusou-o de estar refém dos interesses nacionais do partido. É verdade, mas o argumento vale para ambos os lados. Os Açores e o seu efeito nos eleitores interessam tanto ao PSD, na sua dificuldade em livrar-se do Chega, como ao PS, a quem convém manter o fantasma da extrema-direita e a narrativa do medo que ajuda a captar votos ao centro.
Até dia 10 de março, é inevitável que o jogo se mantenha. Ainda que seja um jogo perigoso, que desperdiça a oportunidade de esvaziar o espaço do Chega como fiel da balança e de demonstrar que os partidos do arco de governação conseguem dar respostas claras ao país. Esperemos que o jogo termine nessa noite e, face aos previsíveis cenários minoritários, haja imediata capacidade de assumir a responsabilidade de negociar soluções. Sem chantagens, nem relações tóxicas ou casamentos à força, nem retóricas de estabilidade como valor absoluto. Governar em minoria, negociar e fazer oposição responsável são princípios básicos em democracia. Temos 50 anos que o comprovam.