Disponibilidade a partir das 18 horas, para ir buscar duas crianças à escola, ajudá-las a tomar banho e fazer os trabalhos de casa, preparar o jantar e ainda estar atento no caso de elas acordarem durante a noite. Tarefas a cumprir de segunda a sábado, tendo em troca como salário um quarto para dormir. A oferta esteve afixada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e demonstra bem a que ponto pode chegar a exploração da vulnerabilidade dos estudantes afastados da sua zona de residência.

Apesar de haver quase 120 mil universitários deslocados, a oferta em residências públicas ultrapassa em pouco as 15 mil camas. De acordo com dados do Observatório do Alojamento Estudantil, no arranque do corrente ano letivo o preço médio de arrendamento de quartos tinha subido 10,5% e em Lisboa ou no Porto rondava, respetivamente, os 450 e 425 euros. Valores que se tornam incomportáveis para muitas famílias, que a esse encargo têm de somar alimentação, deslocações, propinas e todas as despesas decorrentes do estudo.

Sabemos bem o quanto a habitação é um dos mais sérios problemas do país, finalmente com espaço na agenda política e mediática. Mas as consequências da falta de oferta pública e da distorção de preços são particularmente graves em camadas mais desprotegidas da população. E no caso dos estudantes são um dos fatores que muito contribuem para a interrupção dos estudos, que aumentou nos dois últimos anos letivos.

É provável que esta crónica esteja a ficar demasiado carregada de números, mas eles são por vezes a melhor forma de nos forçar a encarar o quanto as contas pesam na qualificação dos portugueses. Num inquérito realizado pela Federação Académica do Porto no ano passado, 64% dos universitários afirmaram que o seu bem-estar mental foi afetado pelo aumento do custo de vida, 4% disseram não dispor de recursos económicos suficientes para os custos de frequentar o Ensino Superior, 34% sentiram dificuldades e 19% reduziram a compra de material escolar. Já não devíamos estar no tempo em que a mobilidade do campo para a cidade se fazia através do trabalho doméstico. Anúncios como o da Faculdade de Letras envergonham-nos e mostram o tanto que há a fazer para que os jovens tenham futuro. É disto que é preciso falar a fundo na campanha eleitoral.

QOSHE - Oferece-se quarto - Inês Cardoso
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Oferece-se quarto

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25.02.2024

Disponibilidade a partir das 18 horas, para ir buscar duas crianças à escola, ajudá-las a tomar banho e fazer os trabalhos de casa, preparar o jantar e ainda estar atento no caso de elas acordarem durante a noite. Tarefas a cumprir de segunda a sábado, tendo em troca como salário um quarto para dormir. A oferta esteve afixada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e demonstra bem a que ponto pode chegar a exploração da vulnerabilidade dos estudantes afastados da sua zona de residência.

Apesar de haver quase 120 mil universitários deslocados, a oferta em........

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