É hoje corrente a associação entre política e uma miríade de perceções negativas, da corrupção ao caciquismo, passando pela ideia de interesse e tática partidária acima do bem comum. O tema não é novo e não é sequer exclusivo das leituras mais simplistas e demagógicas: já Hannah Arendt assinalava, num ensaio datado de 1967, que “a verdade e a política estão em bastante más relações”.

O ambiente de circo em que arrancou a sessão legislativa contribuiu para o pessimismo que tem rodeado o novo ciclo político que agora se oficializa. Debate-se a governabilidade e o risco de microciclos cada vez mais instáveis, questiona-se a capacidade de execução eficaz do PRR, analisa-se o elenco governativo e a sua eficácia a devolver a confiança aos cidadãos. Luís Montenegro não terá direito a estado de graça, nem poderá repetir os erros iniciais que o submeteram à lógica do espetáculo ruidoso.

Com várias classes profissionais a exigirem medidas imediatas e uma sensação coletiva de urgência nas respostas às necessidades do país, tendemos a colocar sobre quem nos governa a responsabilidade quase exclusiva pelo que somos enquanto sociedade. E, no entanto, há política em tantos dos nossos gestos públicos, e respostas que dependem da qualidade da nossa ação.

Com fé ou sem ela, a Páscoa é um convite a desviar o olhar - e sobretudo a ação - da sombra para a vida no seu sentido amplo. Pobreza, exclusão em todas as suas formas, desigualdades e assimetrias sociais e regionais, solidão: não faltam causas para o facto de tantos milhões de portugueses viverem num estado quase permanente de escuridão. Lutar por mais justiça social e pelo direito de cada pessoa a ser mais inteira é missão que não escolhe ideologia ou credo. E uma obrigação coletiva. Todos deveríamos semear vida e ser, aqui e agora, mais Páscoa e menos sexta-feira de cruz.

QOSHE - Semear vida - Inês Cardoso
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Semear vida

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31.03.2024

É hoje corrente a associação entre política e uma miríade de perceções negativas, da corrupção ao caciquismo, passando pela ideia de interesse e tática partidária acima do bem comum. O tema não é novo e não é sequer exclusivo das leituras mais simplistas e demagógicas: já Hannah Arendt assinalava, num ensaio datado de 1967, que “a verdade e a política estão em bastante más relações”.

O ambiente de circo em que arrancou a sessão legislativa........

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