As conclusões do Censos 2021 foram cristalinas: a sangria de população no Interior contrasta com o crescimento em apenas dois ou três núcleos urbanos do país. Cerca de metade da população concentra-se nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e 257 municípios estão a perder residentes desde 1970. Houve algum sobressalto político e cívico com estes dados? Sinceramente, não dei por nada.

O estado de asfixia sentido pelos agricultores tem muitas causas, algumas delas transversais aos parceiros europeus. É o caso das políticas de resposta às alterações climáticas, que obrigam a mudar o atual modelo de produção e afetam a rentabilidade, já de si baixa. Há também desequilíbrio e concorrência desleal gerados por alguns programas comunitários. Mas a somar a todos esses fatores temos um particular desinteresse no nosso país pelo chamado mundo rural ou, para usar outro eufemismo, pelos territórios de baixa densidade.

Politicamente, o mundo rural é um tema sobre o qual convém sempre falar (tal como fica bem afirmar o amor ao Interior), mas ao qual têm sido dadas muito poucas respostas de peso. Aliás, até mediaticamente a agricultura tem pouco poder de atração e o léxico de apoios, medidas agroambientais e candidaturas é desconhecido pela grande maioria dos portugueses. O setor é notícia quando há protestos ou quando fatores externos como a inflação a agravar custos de produção nos pesam diretamente no prato.

Os protestos dos últimos dias, que suscitaram imediata reação de uma ministra apagada e sem força política, colocam sobre a mesa duas questões essenciais às quais teremos de dar resposta. Uma é que, se quisermos ter mais qualidade e segurança alimentar, teremos de pagar por isso. Outra, mais vasta e complexa, prende-se com o país assimétrico e desfigurado que somos. A crise na agricultura e o êxodo rural são uma peça de um quadro maior, de um território invisível com um rendimento per capita inferior à média nacional, piores resultados em vários indicadores sociais, acesso difícil a serviços públicos e culturais. De tempos a tempos, lançamos umas lamúrias e promessas. Para que tudo fique tragicamente na mesma.

QOSHE - Um mundo invisível - Inês Cardoso
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Um mundo invisível

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04.02.2024

As conclusões do Censos 2021 foram cristalinas: a sangria de população no Interior contrasta com o crescimento em apenas dois ou três núcleos urbanos do país. Cerca de metade da população concentra-se nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e 257 municípios estão a perder residentes desde 1970. Houve algum sobressalto político e cívico com estes dados? Sinceramente, não dei por nada.

O estado de asfixia sentido pelos agricultores tem muitas causas, algumas delas transversais aos parceiros europeus. É o caso das políticas de........

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