Dez anos após a morte de Francisco Sá Carneiro, Vasco Pulido Valente escreveu o seguinte: “Em democracia, os políticos acabam sempre a perder eleições, ou seja, acabam sempre mal. Por definição, o que vem a seguir rejeita o que existe. Os homens de hoje condenam os de ontem. Passar é falhar: e tarde ou cedo se falha e se passa. Não há políticos reformados, há só políticos em desgraça. O poder os faz e a ausência de poder os desfaz. No fundo, nenhum deles deseja o retiro de Santa Comba e o consolo das memórias. Os vencidos é que escrevem memórias ou os muito velhos, como De Gaulle, que ‘naufragam no tempo’.

Quem ganha continua. Sá Carneiro não continuou. Morreu (...) no cume do seu poder. Não foi derrotado, morreu apenas. Derrotados foram os sobreviventes. Ele ficou uma perpétua possibilidade, que nada alterou ou jamais pode alterar”. A citação é propositadamente longa. Não pretendo com ela comparar o incomparável, até porque o excerto é auto-explicativo. Mas talvez o possa usar à laia de pórtico para o que se vai passar nos próximos três meses e meio. Os furos, evidentemente, estão agora todos colocados muito mais abaixo da exigência intransigente, digamos assim, desses idos do final dos anos setenta e princípio dos oitenta.

O pessoal político de então é seguramente incompreensível aos olhos dos poucos que, nas novas gerações, vêem passar este cortejo de superficialidade e de vulgaridade geral. Sá Carneiro instituiu um “modelo” de sucesso para a Direita que ela só viria a recuperar, em modo unipartidário, com Cavaco Silva e, de novo em coligação, com Passos Coelho. E desenvolveu esse modelo em poucos meses, quando só cinco anos eram passados sobre o 25 de Abril, e a Esquerda era tão, ou mais, “dona” do regime do que é hoje. Quem definiu, rompendo, e fixou, actuando, a ideia de alternativa democrática foi Sá Carneiro, com a Aliança Democrática de 1979 e de 1980. Jamais o Partido Socialista.

Por consequência, a Direita entra neste período de instabilidade institucional, de barulhos deliberados e de maldades anunciadas com o ónus de romper e actuar politicamente, em conjunto, para pôr termo ao círculo vicioso socialista que estropia Estado e sociedade. Sim, a alternativa colocar-se-á entre termos mais um primeiro-ministro da frente de Esquerda ou Luís Montenegro. Não vale a pena elaborar demasiado. Montenegro tem a crédito o enjoo do país contra o PS e a “cultura” fantasiosa dominante. É um belo ponto de partida. Oxalá, com método, inteligência, persuasão e alguns valentes, seja igualmente um bom ponto de chegada em Março.

(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

QOSHE - A Direita outra vez - João Gonçalves
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A Direita outra vez

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04.12.2023

Dez anos após a morte de Francisco Sá Carneiro, Vasco Pulido Valente escreveu o seguinte: “Em democracia, os políticos acabam sempre a perder eleições, ou seja, acabam sempre mal. Por definição, o que vem a seguir rejeita o que existe. Os homens de hoje condenam os de ontem. Passar é falhar: e tarde ou cedo se falha e se passa. Não há políticos reformados, há só políticos em desgraça. O poder os faz e a ausência de poder os desfaz. No fundo, nenhum deles deseja o retiro de Santa Comba e o consolo das memórias. Os vencidos é que escrevem memórias ou os muito velhos, como De Gaulle, que ‘naufragam no tempo’.

Quem ganha continua. Sá Carneiro não........

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