A meses dos cinquenta anos disto, batemos no fundo. Um ano ou dois a seguir ao “25 de Abril”, Agustina Bessa-Luís escreveu “Crónica do cruzado Osb”, no fundo, uma ficção romanesca e ironista sobre a Revolução. “Não se encontram grandes homens”, isto é, “aqueles que sobressaem não possuem senão um dinamismo confundido com o aproveitamento das ocasiões; não são cidadãos sobre os quais incida aquele brilho que faz com que o mal e o bem se distingam sem qualquer possibilidade de confusão”. Mais. Reúnem-se em algumas personagens a circunstância de serem “estúpidos e cheios daquela vitalidade que vai de par com a total ausência de ideias”. Prosa de 1976 inteiramente válida em 2024. Se repararmos bem, o Estado - entendido aqui como poder executivo representado por governos, nacional e regionais - dissolveu-se praticamente às mãos da acção penal. No caso nacional, Costa, o incumbente demissionário, saiu porque quis. De tudo. Já na Madeira, o presidente do Governo Regional não percebeu que devia ter saído logo. E o líder nacional não deu grande ajuda nisso, titubeando. Parece que Albuquerque não deixa a chefia do partido regional, nem a mesa do Congresso Nacional do PSD. Outro disparate. Depois não se queixem que a acção criminal se cruze com a política, e vice-versa. O dos Açores é outra coisa, mas lá estão todos à espera do votinho com um entusiasmo equivalente ao das vaquinhas das ilhas. Por sua vez, o PR não pode agir politicamente na Madeira senão daqui a dois meses. Não que esta gente faça propriamente falta ao normal curso das vidas patibulares dos portugueses. Se calhar, até se agradece a retirada. As chamadas instituições, porém, e a democracia, um regime político com fraca história e sempre tremelicante, é que, repito, chegam às bodas de ouro em fanicos. Chamo a este estado desconcertante das coisas a República “Velhíssima”, depois da “Velha” do doutor Afonso Costa. Esta já mais que dobra a outra, e já é tão moral e politicamente corrupta quanto a que lhe serviu de mau exemplo. Sem as justas pauladas no Rossio e os tiroteios, por enquanto. As eleições vão resolver algo? Não. Até as suspeito “intercalares”, ou seja, em Outubro haverá mais. O pessoal político é, de uma maneira geral, o pior do que não presta em relação ao que surgiu por aí em 50 anos. E quanto à corrupção, bem, recolho Vasco Pulido Valente, no “Público”, em 2008. Onde há poder, há corrupção. Onde há pobreza, há mais corrupção. E quanto maiores forem um e a outra, maior é a corrupção. O show dos aviões, carregados de 500 almas penadas a caminho da Madeira, é patético. Esta “Velhíssima” é morta.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

QOSHE - A República Velhíssima - João Gonçalves
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

A República Velhíssima

10 4
29.01.2024

A meses dos cinquenta anos disto, batemos no fundo. Um ano ou dois a seguir ao “25 de Abril”, Agustina Bessa-Luís escreveu “Crónica do cruzado Osb”, no fundo, uma ficção romanesca e ironista sobre a Revolução. “Não se encontram grandes homens”, isto é, “aqueles que sobressaem não possuem senão um dinamismo confundido com o aproveitamento das ocasiões; não são cidadãos sobre os quais incida aquele brilho que faz com que o mal e o bem se distingam sem qualquer possibilidade de confusão”. Mais. Reúnem-se em algumas personagens a circunstância de serem “estúpidos e cheios daquela vitalidade que vai de par com a total ausência de ideias”. Prosa de 1976........

© Jornal de Notícias


Get it on Google Play