Desde ontem, o país mergulhou em mais uma campanha eleitoral para escolher um Governo. E, preferencialmente, escolher um que não seja sequela daquele que está. Feitas as contas ao exercício, e apenas neste século, já é a oitava vez que o país corre para nova legislatura. Podia aproveitar-se a circunstância para lembrar aos portugueses que não estamos sozinhos no Mundo. Mas, não. As campanhas são invariavelmente paroquiais. Portugal é, de facto, uma nação periférica numa Europa a quase, e irresponsavelmente, trinta. Também faz parte fundadora da NATO. Todavia, a NATO é hoje uma sombra patética daquilo que outrora foi.

Com duas guerras em curso, uma delas na encosta leste da União - e fora os dichotes que dantes se faziam por telegrama diplomático e que, agora, são um dos objectos predilectos dos “comentadores das actividades imediatas” -, as candidaturas partidárias fingem que isto não existe. E nós, aparentemente, gostamos da omissão, do quentinho da avó de uma das candidatas, do lacrimejar de outro e das larachas de quase todos. “O declínio do Ocidente”, um livro de Emmanuel Todd, terminado em Outubro de 2023, e publicado no último mês de Janeiro (Gallimard), constitui uma obra que recomendo os candidatos levem no carro para irem lendo entre comícios e “arruadas”. Por enquanto, só existe a versão original.

Alguma editora nacional que se apresse. Todd propõe-nos uma leitura muito distinta, e trabalhada, da actualidade geopolítica vista a partir da guerra na Ucrânia, por um lado, e da entrada a pés juntos do eixo ocidental (EUA, Reino Unido, Alemanha, França, Europa do Norte) numa espiral de decrepitude moral, demográfica, política, em muitos casos, económica, por outro, que ainda se imagina “superior” ao resto do Mundo. Um “resto do Mundo”, por exemplo, de 88% que se estão nas tintas para as sanções aplicadas à Federação Russa com o sucesso que se conhece.

Portugal “congelou” patrioteiramente 25 milhões de euros a cidadãos russos, o que com certeza lhe deve ter valido uma medalha de latão da dra. Ursula, a catastrófica presidente da Comissão Europeia a querer segundo mandato. Tal como nos EUA, com a coisa a disputar-se entre o campeão da senilidade (Biden) e o campeão da vulgaridade (Trump), na expressão de Todd.

O “axioma da racionalidade” desapareceu do mundo ocidental, centrado nas “emoções”, no individualismo doentio, na anomia social, religiosa e cultural, na ansiedade niilista e no desvalor geral de um “colectivo” totalmente manipulado pelos “media” e por agências de relações públicas multinacionais. De zombies a zeros, como explica Todd em 300 páginas enxutas. Leiam-no.

(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

QOSHE - De zombies a zeros - João Gonçalves
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De zombies a zeros

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26.02.2024

Desde ontem, o país mergulhou em mais uma campanha eleitoral para escolher um Governo. E, preferencialmente, escolher um que não seja sequela daquele que está. Feitas as contas ao exercício, e apenas neste século, já é a oitava vez que o país corre para nova legislatura. Podia aproveitar-se a circunstância para lembrar aos portugueses que não estamos sozinhos no Mundo. Mas, não. As campanhas são invariavelmente paroquiais. Portugal é, de facto, uma nação periférica numa Europa a quase, e irresponsavelmente, trinta. Também faz parte fundadora da NATO. Todavia, a NATO é hoje uma sombra patética daquilo que outrora foi.

Com duas guerras em curso, uma delas na encosta leste........

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