O dr. Ferro Rodrigues, conhecida sumidade reformada do PS, aventou estarmos a viver a “mais grave crise da nossa democracia, originada por um comunicado irresponsável”. O dr. Ferro, que é muito “antigo” e foi do Movimento de Esquerda Socialista, sabe perfeitamente que não é assim. Ou melhor, se quer colocar as coisas nesse modo, então tem de ir à origem da formação dos actos. E, no princípio, não era o verbo mas, como aqui escrevi repetidamente, era o pior Governo dos três que António Costa formou.

Foram menos de dois anos de inépcias, de erros na escolha do pessoal político, de trafulhices político-administrativas, de má gestão, de negociatas obscuras, de propaganda colorida. A isto podemos juntar mais seis de incapacidade reformadora, de clientelismo, de caciquismo, de promiscuidade entre o Estado, o partido e os amigos, de autocomplacência e de autoritarismo do primeiro-ministro. É que, solto na sua maioria, Costa passou a comportar-se como o “dono disto tudo”, o admirável líder a quem tudo é permitido, e o seu contrário, com a conivência da generalidade da comunicação social. Não foram umas linhas abstrusas de um comunicado de imprensa que destronaram o chefe do Governo. Costa saiu pelos seus próprios pés porque este Governo nunca teve pernas para andar.

Como Medina reconhece, a questão - e não é só, nem apenas, no SNS - nunca esteve na falta de dinheiro. Aliás, Costa é exímio a deitar dinheiro para cima dos problemas, empurrando-os com a barriga. Ou em “ameaçar” as pessoas com falsos retrocessos nas suas vidas, nomeadamente os pensionistas, que manipula com particular gravidade e sem o menor escrúpulo. Até já esteve na farmácia a recolher opiniões. Costa vive de lubrificar o poder pelo poder, usando para o efeito o PS e o Governo da República. Agora, não perdoa ao seu mais fiel aliado destes anos de supremacia oligárquica, Marcelo, a convocação de eleições. E estimula uns jogos florais perigosos com Belém, matéria em que Marcelo é tão catedrático como em Direito.

Pelo caminho, trucidou a independência do governador do Banco de Portugal, um vaidoso que se pôs a jeito. Meses penosos esperam o país. Já se percebeu que Costa, com ou à revelia do “novo” PS do mês que vem, usará o cargo de Estado do qual está demissionário para desestabilizar as gloriosas “instituições democráticas”. A história do regime mostra que nenhum primeiro-ministro se deu bem em provocações, mútuas ou não, com o presidente da República. Provavelmente, Costa está tão farto de Marcelo quanto Marcelo farto dele. E nós com isso.

(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

QOSHE - Promíscuos - João Gonçalves
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20.11.2023

O dr. Ferro Rodrigues, conhecida sumidade reformada do PS, aventou estarmos a viver a “mais grave crise da nossa democracia, originada por um comunicado irresponsável”. O dr. Ferro, que é muito “antigo” e foi do Movimento de Esquerda Socialista, sabe perfeitamente que não é assim. Ou melhor, se quer colocar as coisas nesse modo, então tem de ir à origem da formação dos actos. E, no princípio, não era o verbo mas, como aqui escrevi repetidamente, era o pior Governo dos três que António Costa formou.

Foram menos de dois anos de inépcias, de erros na escolha do pessoal político, de trafulhices político-administrativas, de má gestão, de........

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