Desta vez - e em política, o que parece é - parece estar a decorrer a tentativa da politização da justiça e não tanto a judicialização da política. O factor “surpresa” foi decisivo para a acção capaz da investigação criminal. Não digo que constituísse surpresa o objecto da investigação, e alguns dos sujeitos a ela. Não. O que maçou imensamente a outra acção - a comunicacional e o “spin” - foi a discrição. Não estamos habituados. Sem histerias, correrias, cabeças tapadas e muitos microfones não há espectáculo. Logo, é preciso atacar imediatamente o que nos priva do espectáculo. Ou criar alternativas e deflexões, como exemplarmente uma dupla conspícua de advogados anda a fazer à porta de um tribunal. A surpresa foi tanta que o primeiro-ministro, louvando-se numa frase inócua e infeliz de um comunicado de imprensa, demitiu-se. Não às mãos, ou apesar, da justiça em que toda a gente goza da presunção de inocência até decisão judicial transitável em julgado. Mas por causa de pernósticos que, ou chamou a funções políticas e político-administrativas, ou a quem concedeu involuntária ou voluntariamente, lastro para usar o seu nome não em vão. Esperou uns dias e no sábado glosou o exercício. Pediu-nos desculpa pela vergonha que representou a actuação do seu chefe de gabinete. Declarou não ter amigos. Está honrado pela administração pública que dirige e apelou a que os funcionários cumpram a lei, “não inventem problemas, não se refugiem na burocracia”. Que ponhamos os olhos no lobo ibérico. Os “interesses conflituantes” em matéria de lítio levaram à sua protecção administrativa, sem necessidade de uma “palavrinha” ou de “cunhas”. Afirmou-se coacto na sua liberdade de acção política pela justiça (para isso, e só para isso, falou), entrando em directo por uma investigação criminal adentro na qualidade de chefe do Governo. Deixou para mais tarde, em combinação com o presidente da República, o destino político de um ministro, arguido em procedimento penal, e que não se demite. Que esperam ou temem, enquanto o Governo, que está em funções, se esvai moral e politicamente com a permanência desse ministro? Por outro lado, o presidente da República, depois de ter elogiado estes últimos anos e meses de improbabilidades, deu um lastro de cinco meses à sua continuação ao convocar eleições para 10 de Março de 2024. Oxalá não tenha entretanto de recorrer à previsão do número 2 do artigo 195. da Constituição*. Quanto ao mais, e como recomendava o socialista e presidente francês François Mitterrand, há que dar tempo ao tempo. Sem dramas.

*“O presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se mostre necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas.”

QOSHE - Sem dramas - João Gonçalves
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Sem dramas

7 7
13.11.2023

Desta vez - e em política, o que parece é - parece estar a decorrer a tentativa da politização da justiça e não tanto a judicialização da política. O factor “surpresa” foi decisivo para a acção capaz da investigação criminal. Não digo que constituísse surpresa o objecto da investigação, e alguns dos sujeitos a ela. Não. O que maçou imensamente a outra acção - a comunicacional e o “spin” - foi a discrição. Não estamos habituados. Sem histerias, correrias, cabeças tapadas e muitos microfones não há espectáculo. Logo, é preciso atacar imediatamente o que nos priva do espectáculo. Ou criar alternativas e deflexões, como exemplarmente uma dupla conspícua de advogados........

© Jornal de Notícias


Get it on Google Play