O país assistiu em choque aos acontecimentos dos últimos dias que culminaram na demissão do primeiro-ministro, na queda do Governo e na marcação de eleições legislativas para dia 10 de março de 2024. E o choque não resulta apenas de um Governo com maioria absoluta ter implodido por sua exclusiva responsabilidade. O choque resulta de, uma vez mais, um Governo se ver enredado numa teia de interesses e casos em que a corrupção volta a pairar sobre governantes. Assistimos a uma situação com demasiadas coincidências com o que já tínhamos testemunhado no Governo socialista de José Sócrates. Voltamos a assistir em 2023 a episódios com contornos demasiado parecidos num Governo socialista liderado por António Costa.

Já era evidente a incapacidade de o Governo resolver os principais problemas do país: da saúde, à educação, passando pela habitação e da generalidade dos serviços públicos. Aliás, problemas que continuarão sem resposta, face à paralisação política do país. Mas o que veio a público nos últimos dias é bem mais sério do que a mera incompetência em governar.

As razões que levaram a que o chefe de governo deixasse de ter condições para o liderar vão muito além da eventual investigação em curso ou futura ao primeiro-ministro, cuja inocência se presume.

Sem o famoso parágrafo do comunicado da Procuradoria-Geral da República, António Costa já não tinha condições para continuar. É inaceitável a nuvem de suspeição sobre demasiados membros do governo e seus gabinetes e é intolerável que exista qualquer tipo de teia de interesses e corrupção que capture o interesse público e o Estado, em benefício de um qualquer grupo de pessoas ou organização partidária. O que está em causa é o prestígio, a dignidade e a confiança nas instituições. Neste caso, a perda acentuada que corrói a democracia e coloca em causa, não só o Governo, como o próprio regime.

Compreender que o Governo não caiu apenas por causa um parágrafo é essencial para que episódios destes não se voltem a repetir e para que não haja qualquer tipo de complacência ou desculpabilização deste tipo de práticas. De nada valem os discursos de preocupação com o crescimento dos extremistas se não se compreender que o que veio a público nos últimos dias é um ataque ao coração do Governo e da própria democracia.

QOSHE - O Governo não caiu por causa de um parágrafo - Margarida Balseiro Lopes
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O Governo não caiu por causa de um parágrafo

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11.11.2023

O país assistiu em choque aos acontecimentos dos últimos dias que culminaram na demissão do primeiro-ministro, na queda do Governo e na marcação de eleições legislativas para dia 10 de março de 2024. E o choque não resulta apenas de um Governo com maioria absoluta ter implodido por sua exclusiva responsabilidade. O choque resulta de, uma vez mais, um Governo se ver enredado numa teia de interesses e casos em que a corrupção volta a pairar sobre governantes. Assistimos a uma situação com demasiadas coincidências com o que já tínhamos testemunhado no Governo socialista de José........

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