Os diretores-executivos das principais empresas de redes sociais foram esta semana ouvidos numa audiência no Senado norte-americano. Pais e legisladores confrontaram-nos com casos de violência, exploração e abuso contra crianças, perpetrados nestas plataformas, alguns dos quais com consequências dramáticas.

O tema não é novo, mas está longe de ter tido o debate adequado em Portugal. Em 2023, um estudo concluía que 86% dos jovens portugueses admitiam estar viciados nestas plataformas, um valor bem superior à média europeia. 90% destes jovens utilizavam já estas redes desde os 13 anos.
Cyberbullying, conteúdo inadequado a estas idades, questões de privacidade e exposição abusivas, jogo online, predadores sexuais: os riscos são inúmeros e, como o tema é sério, o debate impõe-se e deve ser feito com a ponderação e seriedade que o mesmo exige, recorrendo à evidência e aos estudos científicos.

Em Portugal, teimamos em fazer da superficialidade o tom de abordagem a muitos destes assuntos e este caso é apenas um desses exemplos.

O país discutiu recentemente a proibição dos telemóveis nas escolas. Houve até iniciativas legislativas apresentadas na Assembleia da República, que acabaram chumbadas, nomeadamente, porque se aguardava o parecer pedido ao Conselho de Escolas sobre este tema. Querer legislar com base em perceções tem tanto de errado como de pernicioso.

O Conselho de Escolas acabou por recomendar que esta fosse uma opção dos estabelecimentos de ensino. Ou seja, a adoção de restrições na utilização dos telemóveis não deveria ser decidida por lei, e recomendou também uma melhor articulação entre a escola e as famílias na promoção do uso responsável das tecnologias.

A fundamentar estas conclusões estiveram estudos com mais de 10 anos. Este é o aspeto que causa estranheza: nem estas crianças eram nascidas em 2013 ou 2014, nem estas plataformas e os riscos associados eram os mesmos de hoje em dia. Mas as conclusões são razoáveis e são uma chamada de atenção para quem acha que consegue travar o vento com as mãos, recorrendo a expedientes como as meras proibições, para responder a problemas complexos que não se compadecem com medidas simplistas.

Há, de facto, inúmeras respostas que merecem discussão. A produção de conteúdos adaptados às famílias, de modo que possam estar mais vigilantes no acompanhamento da utilização de telemóveis e redes sociais, ou a discussão em torno de reforçadas obrigações destas empresas em relação ao acesso e aos conteúdos disponibilizados a crianças são apenas dois desses exemplos.

Os últimos oito anos foram marcados por opções políticas no setor da Educação, desprovidas de qualquer base científica ou discussão prévia. Os resultados estão à vista. Era importante que num tema tão importante como este não voltássemos a cometer o mesmo erro.

QOSHE - Travar o vento com as mãos - Margarida Balseiro Lopes
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Travar o vento com as mãos

10 2
03.02.2024

Os diretores-executivos das principais empresas de redes sociais foram esta semana ouvidos numa audiência no Senado norte-americano. Pais e legisladores confrontaram-nos com casos de violência, exploração e abuso contra crianças, perpetrados nestas plataformas, alguns dos quais com consequências dramáticas.

O tema não é novo, mas está longe de ter tido o debate adequado em Portugal. Em 2023, um estudo concluía que 86% dos jovens portugueses admitiam estar viciados nestas plataformas, um valor bem superior à média europeia. 90% destes jovens utilizavam já estas redes desde os 13 anos.
Cyberbullying, conteúdo inadequado a estas idades, questões de privacidade e exposição abusivas, jogo online,........

© Jornal de Notícias


Get it on Google Play