A compra de 0,24% do capital dos CTT em 2021 por parte do Estado, após o assalto perpetrado ao interesse nacional pela governação de Passos Coelho com a privatização da empresa, entre 2013 e 2014, no período da “troika”, introduz mais um factor de irritante irracional na política portuguesa na antecâmara pré-eleições. Agitar qualquer bandeira que crie turbulência - por mais risível, extemporânea ou fútil que seja - parece ser o lema dos servis da demagogia que não hesitam em atrair votos daqueles que preferem fazer o enterro da democracia a curto prazo. A história escreverá nomes em lápide em plena comemoração dos 50 anos do 25 de Abril. O crescimento parlamentar da extrema-direita não acontece apenas pela equação de alianças e branqueamento da sua ausência de princípios: semeia e germina quando a direita democrática abraça o discurso e o faz seu.

Olho por olho e dente por dente, até às eleições de 10 de Março. É confrangedora a ideia de que o debate sobre os problemas do país se irá resumir à troca de escândalos e casos eventuais entre PS e PSD, sem mais, sem uma ideia que não a da continuidade ou da ruptura, entre o Diabo que não Chega a quatro ou uma Gerigonça que se faça em cinco partes. A “bandalheira” que Luís Montenegro agita pela compra de 0,24% dos CTT é tão nociva para a democracia como o “timing” do anúncio do inquérito ao pagamento do IVA de um seu imóvel. Há limites para a falta de decência que não permita o decurso democrático e possibilite golpes de Estado informais.

A “entrega” dos CTT à Goldman Sachs ficará escrita como um dos maiores desastres de que há memória nas opções económicas do Estado em democracia. Desmantelar uma missão que sempre assentou na promoção da coesão territorial, fechando postos de correio para os enfiar em supermercados ou lojas a vender raspadinhas, vender uma empresa com lucro de 500 milhões ao Estado (entre 2005 e 2012) para satisfazer clientelas e grupos económicos que hoje arrastam o país para o ocaso democrático através do financiamento dos que pretendem a implosão do regime, apontar o dedo a Pedro Nuno Santos como responsável por algo que não lhe diz respeito, tentar assacar responsabilidades à influência de BE e PCP na aquisição de 0,24% de migalhas de uma empresa que sempre consideraram dever ser inteiramente pública, são partes de um sinistro em parada, perante os nossos olhos, pela mão visível de quem ressuscita os cadáveres.

QOSHE - 99,76% de “bandalheira” - Miguel Guedes
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99,76% de “bandalheira”

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05.01.2024

A compra de 0,24% do capital dos CTT em 2021 por parte do Estado, após o assalto perpetrado ao interesse nacional pela governação de Passos Coelho com a privatização da empresa, entre 2013 e 2014, no período da “troika”, introduz mais um factor de irritante irracional na política portuguesa na antecâmara pré-eleições. Agitar qualquer bandeira que crie turbulência - por mais risível, extemporânea ou fútil que seja - parece ser o lema dos servis da demagogia que não hesitam em atrair votos daqueles que preferem fazer o enterro da democracia a curto prazo. A história escreverá nomes em lápide em plena........

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