Quase quatro anos depois de ter sido declarada como pandémica, a doença confunde-nos menos, não desistindo de continuar a mutar entre estirpes alinhadas com a época, passando pelos pingos da chuva e frio da bem mais intensa gripe A. A covid-19, tal como hoje a encaramos, foi um salto no vazio que se controlou a custo e contra muitas marés que, ainda hoje, contam com acérrimos defensores do pouco que se passou ou do puro negacionismo. A fraude de alguns que matou milhões em todo o Mundo deixou saudades a quem descobriu afectos escondidos nas ruas vazias e na sensação de que havia um ideal colectivo em reconstrução. Mas deu também sinais claros, no que respeita a escolhas e boas opções, que a vida teve um preço pela hora da morte. Em Portugal, vinte e oito mil óbitos depois.

Atirar para o lixo cerca de 153,4 milhões de euros pela fixação de preços do Ministério da Saúde nos testes de diagnóstico covid-19, pelo simples facto de nem sempre ter sido levada em conta a fundamentação técnica do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, é profundamente contaminador da confiança dos cidadãos. Até pela evidência de que o processo de formação de preços esteve longe de ser transparente e de que o acréscimo de despesa pública poderia ter sido facilmente evitado.

Se nem tudo é perfeito numa altura em que se enfrenta o desconhecido, é alarmante perceber que numa comparação com França, Alemanha, Áustria, Grécia, Bélgica, Chéquia e Estónia, o preço inicialmente definido por Portugal era o mais alto. Mesmo com as diferenças abissais no poder de compra, Portugal adoptou preços superiores em 49,1% face à Alemanha e de mais 62% se comparado com a França, numa média de preço de mais 36,1% face aos referidos sete países. 153,4 milhões atirados ao lixo. É este tipo de números que relativiza os 500 mil euros de indemnização a Alexandra Reis e potencia todas as demagogias.

A resposta ao desequilíbrio vai a tempo de ser dada fora de ocasião. Se é quase incompreensível que tenhamos alinhado pela facilidade de fixar a qualquer preço, insustentável será percorrer caminho sem que apurem responsabilidades sobre quem, como e onde. A forma como encontramos legenda sobre o nosso passado recente diz mais sobre o apuro da nossa memória do que todo um passado histórico em retrospectiva.

*O autor escreve segundo a antiga ortografia

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19.01.2024

Quase quatro anos depois de ter sido declarada como pandémica, a doença confunde-nos menos, não desistindo de continuar a mutar entre estirpes alinhadas com a época, passando pelos pingos da chuva e frio da bem mais intensa gripe A. A covid-19, tal como hoje a encaramos, foi um salto no vazio que se controlou a custo e contra muitas marés que, ainda hoje, contam com acérrimos defensores do pouco que se passou ou do puro negacionismo. A fraude de alguns que matou milhões em todo o Mundo deixou saudades a quem descobriu afectos escondidos nas ruas vazias e na sensação de que havia um ideal........

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