Alegria transbordante. O povo que ontem saiu às ruas do Porto, Lisboa, Coimbra, um pouco por toda a parte, não saiu à rua “num dia assim” por uma razão “sem nome para qualquer fim”. Pelo contrário, repleto de motivações e causas. Ontem, nos 50 anos do 25 de Abril, mais parecia o mar de gente que encheu as manifestações do 1.o de Maio de 1974 - diz quem lá esteve - e que ainda hoje alimenta a iconografia colectiva da Revolução. Para lá do subjectivo, há um sentimento gregário que pode ter acordado perante o elenco e a objectivação de um inimigo comum. Mais do que nunca, milhares de pessoas perceberam que luta e celebração são palavras irmãs e que não há nada nem ninguém que trave a força de uma razão conjunta que tem que encontrar e operacionalizar todas as formas possíveis de convergência.

A “sovietização do ensino” de que Passos Coelho falava é uma anedota que se faz por si, mas os dias de 1917 ainda existem na cabeça de muitos que empoderam fricções, facções e figuras de estilo. Que estas emocionantes manifestações, à semelhança de muitas iniciativas que se ergueram por ocasião das comemorações dos 50 do 25 sirvam para alguns perceberem que só pela multiplicação das convergências e equilíbrios é possível ser, na força do voto que opera transformação, o que transparece na força da rua. Há uma relevância em ser muito mais quando unidos, sendo que às vezes parece que é algo que não se sabe. Existe um trauma-amor-da-revolução de outras eras que a Esquerda tem, definitivamente, que ultrapassar.

Que se cumpra Abril, para sempre e como nunca. Queira a democracia manter a direita democrática muitos e bons anos na celebração de Abril. Seria dogmático pensar que o 25 de Abril só se comemora à Esquerda, quando a direita democrática também sai à rua e deve reivindicar o seu património de liberdade. É evidente: ver e ouvir as declarações de Emmanuel Macron convoca um misto de sabedoria e percepção, enquanto nos confronta com quadros de vergonha alheia face ao que se vê no burgo. A estupefacção colectiva com o que Marcelo Rebelo de Sousa disse, solto no 24 de Abril, é dolorosa e perturbadora. O “Inimigo Público” teria dificuldades morais em lidar com títulos como aqueles que o presidente deu à imprensa real. Chegamos aqui sem saber bem como, mas com a forte impressão de que há algo nisto que pode ser maquiavélico, mas não sopesado, nem decente. Todos nos perguntamos sobre quais serão os garantes de institucionalismo numa democracia que vive em sobressalto e acabamos por olhar para França para percebermos que a guilhotina está cá.

*O autor escreve segundo a antiga ortografia

QOSHE - Abril como nunca - Miguel Guedes
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Abril como nunca

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26.04.2024

Alegria transbordante. O povo que ontem saiu às ruas do Porto, Lisboa, Coimbra, um pouco por toda a parte, não saiu à rua “num dia assim” por uma razão “sem nome para qualquer fim”. Pelo contrário, repleto de motivações e causas. Ontem, nos 50 anos do 25 de Abril, mais parecia o mar de gente que encheu as manifestações do 1.o de Maio de 1974 - diz quem lá esteve - e que ainda hoje alimenta a iconografia colectiva da Revolução. Para lá do subjectivo, há um sentimento gregário que pode ter acordado perante o elenco e a objectivação de um inimigo comum. Mais do que nunca, milhares de pessoas perceberam que luta e celebração são palavras irmãs e que........

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