António Costa é o maior animal político desde Mário Soares, por maior desagrado que alguns tenham em dizê-lo ou dificuldade em aceitar. Com gosto ou a contragosto, os factos políticos escrevem a história de influência e carisma de alguém que na apologia do consenso sobreviveu e se alimentou de várias cisões. Com Sá Carneiro na mitologia do que não foi feito pela impossibilidade, tragédia ou destino, desde Mário Soares que o país não assistia a um político que conseguisse chegar, governar e sair com o conforto que os votos não deram na porta de entrada e que as sondagens lhe dão na porta de saída.

António Costa foi primeiro-ministro sem ganhar eleições, legítima e democraticamente. Encontrou soluções com os parceiros de geringonça que permitiram a maior estabilidade de há muitas décadas na democracia portuguesa de governos minoritários. Conseguiu promover uma segunda legislatura sem acordos escritos, para depois promover, paulatinamente e roendo, o corte com BE e PCP, ruptura ou suspensão de que precisava para tentar uma maioria absoluta há muito pensada. Embora a destempo mas sem esforço, o tempo político acelera e entrega-lhe um Orçamento não aprovado nos braços. A vertigem aumenta no seu próprio colo. Costa resiste e sobrepõe-se ao relógio que podia acabar por lhe entregar um Governo minoritário, alcançando uma maioria absoluta. Com a possibilidade de ter toda a estabilidade que uma maioria convoca, viu o seu Governo a contas com casos e casinhos, uns provocados, outros impiedosos, alguns de autoflagelação. No acto final, é introduzido num parágrafo discutível que leva à sua demissão e, mesmo com a pendência de uma acusação inusitada, sai da política para reentrar como candidato ao que quiser nos próximos anos, deixando o PS à frente das sondagens, assegurando a sucessão para uma linhagem de carisma e com o partido na linha da frente da corrida eleitoral de 10 de Março. Tudo isto, sem prejudicar a percepção geral de um homem de Estado e a valorização positiva da sua actuação pela maioria dos eleitores. Não há ninguém na política portuguesa que seja capaz de palmilhar tanta aparente contradição vencedora, saindo incólume e reforçado.

A galeria de notáveis pode ter maior largura mas todos os que são vistos à comparação acabam enjaulados na falta de afecto pela percepção dos portugueses. Numa competição desleal, encontramos Cavaco Silva, José Sócrates e Passos Coelho, primeiros-ministros que poderiam destacar-se num percurso de notabilidade, magistratura ou influência na democracia portuguesa. Reforços de carisma e com incontestada pegada política, nenhum deles entrou e saiu maior de um tempo que lhes tenha permitido sobreviver para projectar futuro. António Costa num adeus português: até breve.

*O autor escreve segundo a antiga ortografia

QOSHE - O maior animal político desde Mário Soares - Miguel Guedes
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O maior animal político desde Mário Soares

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22.12.2023

António Costa é o maior animal político desde Mário Soares, por maior desagrado que alguns tenham em dizê-lo ou dificuldade em aceitar. Com gosto ou a contragosto, os factos políticos escrevem a história de influência e carisma de alguém que na apologia do consenso sobreviveu e se alimentou de várias cisões. Com Sá Carneiro na mitologia do que não foi feito pela impossibilidade, tragédia ou destino, desde Mário Soares que o país não assistia a um político que conseguisse chegar, governar e sair com o conforto que os votos não deram na porta de entrada e que as sondagens lhe dão na porta de saída.

António Costa foi primeiro-ministro sem ganhar eleições, legítima e democraticamente.........

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