Cantar vitória foi desporto de alguns na hora em que encerraram as urnas mas cedo se percebeu que as notícias de um grande triunfo laranja eram manifestamente exageradas ou prematuramente anunciadas. A vitória foi de quem mais ganhou em não assumir responsabilidades e esse, o Chega que mais cresceu, é mesmo o vencedor das legislativas para além de quem ganhou. Uma das grandes lições da noite. António Costa foi um fantasma que tardou a aparecer e, para além de dar a ideia de que poderia ganhar estas eleições num abrir e fechar de olhos se resolvesse insistir, é detentor da síntese que criou - após a eleições europeias de 2014 - para destronar António José Seguro da liderança interna do PS mesmo após este ganhar eleições com 31,4%. O “poucochinho”, segundo Costa.

Nunca a ideia de que era necessário ganhar por mais do que por poucochinho foi tão evidente. Vencedor nas eleições, o PSD parte para formar Governo na esperança de contrariar um destino que se aparenta fatal e que só será contrariado se resolver abrir-se à demagogia económica que lhe permita um Governo de excepção. Este Governo não terá uma segunda oportunidade para causar uma boa primeira impressão.

O alívio não assiste aos derrotados mas é evidente que Pedro Nuno Santos (PNS) está mais preparado para ser líder da oposição do que para ser primeiro-ministro de um Governo a prazo. No momento de assumir a derrota, não foi só a pressa que liderou o momento, antes a certeza de que há um encontro histórico com o destino. Pedro Nuno acaba por não queimar as etapas que a imprevisibilidade política quase atirava à fogueira dos dias, quando se preparava para suceder a António Costa no próximo ciclo legislativo. O discurso em que assumiu a derrota e se apresentou como oposição, evidencia a sua preparação para não ser poder. Não se agarrou ao “poucochinho”. E essa é a melhor notícia para a liderança interna do PS neste novo ciclo que se prevê curto.

Talvez tenha sido algo em que poucos acreditavam: honra seja feita ao PS que nunca procurou tirar de esforço da Justiça nestas eleições, mesmo depois de ver António Costa ser afastado com um parágrafo da PGR, sob o olhar atento de Marcelo Rebelo de Sousa. O sentido de Estado também é isto, exercer contenção em nome do que resta das instituições. Podendo agitar a bandeira de uma espécie de “golpe de Estado judicial”, nunca o fez para proveito próprio. Basta imaginar o que seria caso isso sucedesse com o fim do poder daqueles que preferem a 4. República.

Luís Montenegro ganhou as eleições e é num Governo de esperança que deposita o seu futuro. Caso seja capaz de governar sozinho e de assumir o legado de estabilidade que o PS não soube aproveitar com uma maioria absoluta, o PSD poderá granjear o apoio popular que lhe reforce a vitória em novas eleições. Se falhar rotundamente, poderá ser o momento de uma alternativa à Esquerda se afirmar em conjunto, numa maioria estável que, antes, só foi capaz de experimentar em testes de laboratório de incidência parlamentar.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

QOSHE - O "poucochinho" chega - Miguel Guedes
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O "poucochinho" chega

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15.03.2024

Cantar vitória foi desporto de alguns na hora em que encerraram as urnas mas cedo se percebeu que as notícias de um grande triunfo laranja eram manifestamente exageradas ou prematuramente anunciadas. A vitória foi de quem mais ganhou em não assumir responsabilidades e esse, o Chega que mais cresceu, é mesmo o vencedor das legislativas para além de quem ganhou. Uma das grandes lições da noite. António Costa foi um fantasma que tardou a aparecer e, para além de dar a ideia de que poderia ganhar estas eleições num abrir e fechar de olhos se resolvesse insistir, é detentor da síntese que criou - após a eleições europeias de 2014 - para destronar António José Seguro da liderança interna do PS mesmo após este ganhar eleições com 31,4%. O “poucochinho”, segundo........

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