De entre a profusão de imagens-choque que temos visto a propósito da guerra no Médio Oriente, aquelas que mais nos revoltam são, sem dúvida alguma, as que envolvem crianças. Dos relatos do que os terroristas do Hamas fizeram a famílias inteiras israelitas, da forma bárbara como queimaram menores, passando pelos muitos órfãos deixados para trás no banho de sangue de 7 de outubro; ao imenso nó no estômago que nos causam os rostos exauridos dos meninos de Gaza que tentam sobreviver entre pedras esmigalhadas e metal retorcido. Não é possível medir, e muito menos fazer equivaler, o sofrimento de uns e de outros. Mas podemos dizer com relativa segurança que o ódio fundo entre israelitas e palestinianos será perpetuado por esta geração apanhada no fogo cruzado dos adultos.

Há dias, numa reportagem de um jornalista árabe para um canal de televisão ocidental, contava-se a história dos pais que ensinavam os filhos, petizes de seis, sete anos, a cozinhar o pouco que havia para cozinhar no meio dos escombros de Gaza. Para que, explicava um desses homens, eles não morram à fome caso os progenitores pereçam. Com a ingenuidade própria da idade, aqueles miúdos olhavam para os ensinamentos não como uma fatalidade, mas como uma prova a superar. E o que dizer dos pais e mães que escrevem o nome dos filhos nos corpos das crianças para, em caso de ataque, poderem ser identificados? E o que dizer das cerca de 50 mil grávidas de Gaza que vivem uma dupla tragédia, sem assistência, alimentos e anestesia? E dos recém-nascidos que correm o risco de passar fome nas primeiras horas de vida?

Nenhum mapa com dois estados, nenhuma troca de reféns por presos, e muito menos nenhuma assinatura num possível tratado de paz conseguirá cicatrizar esta ferida. A guerra continuará, por muitos anos, aprisionada no peito desta geração esculpida a ódio.

QOSHE - A geração do ódio - Pedro Ivo Carvalho
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A geração do ódio

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04.11.2023

De entre a profusão de imagens-choque que temos visto a propósito da guerra no Médio Oriente, aquelas que mais nos revoltam são, sem dúvida alguma, as que envolvem crianças. Dos relatos do que os terroristas do Hamas fizeram a famílias inteiras israelitas, da forma bárbara como queimaram menores, passando pelos muitos órfãos deixados para trás no banho de sangue de 7 de outubro; ao imenso nó no estômago que nos causam os rostos exauridos dos meninos de........

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