Agora que a campanha eleitoral começa a entrar numa fase decisiva e particularmente vocal, importa ressalvar a importância de uma coisa básica repetidamente esquecida por tantos partidos e candidatos. Chama-se contas certas. O rodízio de promessas a que assistimos na convenção do Chega mostrou à saciedade o quão permeável consegue ser hoje a opinião pública, que se detém nas tiradas emotivas de quem diz aquilo que muitos querem ouvir sem estar minimamente preocupado em explicar como se usam, por exemplo, os lucros excessivos da Banca para pagar o crédito à habitação dos portugueses ou, ainda mais inventivo, como se canalizam os 18 mil milhões de euros que Portugal perderá para a corrupção em benefício de algumas classes profissionais, como se houvesse um pote para onde pingam as receitas obscuras do colarinho branco. Mas André Ventura é o mais exímio, e menos preocupado dos políticos, a jogar este jogo da desresponsabilização. A sua natureza populista alimenta-se, de resto, desse fervor inconsequente.

Durante muito tempo, o conceito das contas certas foi, ainda assim, património panfletário da Direita, pese embora o facto de o PS ter conseguido espremer o défice público para níveis históricos. Há dias, um manifesto de várias personalidades à esquerda dos socialistas marcou, de alguma forma, uma evolução no posicionamento ideológico dessa franja eleitoral, ao exigir aos políticos que falem verdade e mostrem as tais contas certas. Nesta campanha, em que tudo será feito ainda mais à pressa, é imperioso que se incluam números nas ideias e que, de uma vez por todas, se plante na cabeça de todos que as dívidas contraídas hoje serão pagas mais tarde pelos jovens que estão agora a fugir do país. Este é o momento de sistematizar programas eleitorais. Simplifique-se, em primeiro lugar, a mensagem aos portugueses. E, depois, vincule-se a ambição partidária à real capacidade de pagar a fatura. O populismo é tentador, mas não passa de um veneno disfarçado de cura.

QOSHE - A ideologia das contas certas - Pedro Ivo Carvalho
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A ideologia das contas certas

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20.01.2024

Agora que a campanha eleitoral começa a entrar numa fase decisiva e particularmente vocal, importa ressalvar a importância de uma coisa básica repetidamente esquecida por tantos partidos e candidatos. Chama-se contas certas. O rodízio de promessas a que assistimos na convenção do Chega mostrou à saciedade o quão permeável consegue ser hoje a opinião pública, que se detém nas tiradas emotivas de quem diz aquilo que muitos querem ouvir sem estar minimamente preocupado em explicar como se usam,........

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