Dez anos depois de ter sido detido, dez anos depois de ter interposto dezenas de recursos e de ter gerado uma quantidade assinalável de incidentes processuais, dez anos depois de termos lido duas versões distintas sobre a dimensão da culpabilidade de José Sócrates no âmbito da Operação Marquês, continuamos sem conseguir responder à pergunta de vários milhões de euros: vai o ex-primeiro-ministro ser julgado? A recente decisão de três juízas do Tribunal da Relação, que concluíram que as bases da acusação inicial do Ministério Público eram sólidas, leva-nos a responder que sim. Que José Sócrates será julgado, acusado de 22 crimes, três deles de corrupção. Mas depois há os detalhes. E a defesa de Sócrates vai certamente usá-los para travar uma ida a julgamento. Mesmo não sendo fácil, há vias, sobretudo de natureza constitucional, para arrastar o processo. E já nem vamos falar da complexa discussão jurídica sobre a data de prescrição dos crimes de corrupção, onde também há duas leituras possíveis. Sócrates tentará fazer vingar aquela que lhe der mais tempo.

No essencial, o acórdão do Tribunal da Relação arrasa a visão “bondosa” de Ivo Rosa, no sentido em que os crimes de corrupção que haviam caído em 2017 são agora recuperados. E com eles a relação entre os arguidos, os negócios milionários, a teia de cumplicidades e os benefícios recebidos. Sócrates reconheceu, entretanto, a derrota jurídica, mas já avisou que vai reforçar o seu bem urdido exército de defesa.

Ainda é cedo para percebermos em que direção vai evoluir esta nova frente de batalha, mas, independentemente do facto de termos sentido, em tantos momentos ao longo destes anos, que a Operação Marquês se transformou numa espécie de Porto-Benfica da Justiça, há uma certeza que podemos ter: Portugal só teria a ganhar com a ida a julgamento de José Sócrates. Isso não significa nenhuma assunção de culpabilidade, mas apenas que o processo teria um desfecho, qualquer que ele seja. Garantindo, para nos socorrermos de uma frase feita, o regular funcionamento das instituições. Não podemos continuar reféns deste torpor processual e muito menos da revisitada ideia de que quem tem poder e dinheiro se serve da Justiça para que não se faça justiça.

QOSHE - E se Sócrates escapar ao julgamento? - Pedro Ivo Carvalho
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E se Sócrates escapar ao julgamento?

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27.01.2024

Dez anos depois de ter sido detido, dez anos depois de ter interposto dezenas de recursos e de ter gerado uma quantidade assinalável de incidentes processuais, dez anos depois de termos lido duas versões distintas sobre a dimensão da culpabilidade de José Sócrates no âmbito da Operação Marquês, continuamos sem conseguir responder à pergunta de vários milhões de euros: vai o ex-primeiro-ministro ser julgado? A recente decisão de três juízas do Tribunal da Relação, que concluíram que as bases da acusação inicial do Ministério Público eram sólidas,........

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