Na sequência das propostas apresentadas a sufrágio o Governo anunciou as concretas medidas de redução da carga fiscal em sede de IRS. O valor de redução operada de receita ronda os 300 milhões de euros, o que, no quadro do atual compromisso das contas certas, nos parece razoável. O que não nos parece razoável é que a redução não abranja os contribuintes do 9.o escalão, cujo rendimento líquido anual ultrapassa 80 000,00€. Importa reter alguns dados. Com o procedimento de ajuda financeira internacional, uma das imposições da troika foi o aumento da carga fiscal, nomeadamente sobre o rendimento das pessoas singulares. Desta imposição resultou um “aumento brutal” dos impostos que se localizavam com especial incidência nos contribuintes de rendimentos mais elevados. Nesta ocasião, para além de se agravar a taxa do último escalão, foi criada a sobretaxa e a taxa adicional de solidariedade e desde então os contribuintes com maior expressão quantitativa de rendimentos têm sido penalizados com um sacrifício imposto em 2012 em resultado de uma emergência financeira nacional. Volvida uma década, os dados atuais são bem reveladores da iniquidade do sistema: 17% das famílias portuguesas suportam 6% do IRS liquidado e 53% do IRS liquidado está concentrado em apenas 6% das famílias portuguesas. Estes dados determinam que mais de metade do IRS arrecadado em cada ano económico é pago por apenas 6% dos contribuintes, o que revela uma assimetria iníqua na distribuição dos sacrifícios em sede de tributação dos rendimentos das pessoas físicas. E percebe-se bem a fonte desta injustiça material. O rendimento coletável superior a 81 199,00€ é tributado à taxa de 48%, a que acresce a taxa adicional de solidariedade de 2,5% ou 5%.Este regime de progressividade agravada foi o resultado do memorandum de entendimento subscrito entre o Estado português e a troika. O que não se compreende é que, uma década após a instituição do brutal aumento da carga fiscal sobre os contribuintes com maior expressão de rendimentos, não tenha havido a coragem de reduzir a carga fiscal do último escalão e atenuar a taxa adicional de solidariedade. Tinha a esperança de que o pacote que agora foi anunciado reduzisse a carga dos contribuintes que, com esforço, suportam há vários anos mais de metade do IRS cobrado, mas o anúncio do alívio fiscal ficou-se pelo 8.o escalão, mantendo a injustiça de um sistema progressivo com um toque confiscatório dos contribuintes com maiores rendimentos.

Cristalizou-se o “brutal aumento da carga fiscal” que Vítor Gaspar anunciou e manteve-se a falta de coragem política para assumir o desequilíbrio do sistema.
Estou, por razões de ordem fiscal, em estado de choque.

QOSHE - Estou em choque [fiscal] - Pedro Marinho Falcão
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Estou em choque [fiscal]

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23.04.2024

Na sequência das propostas apresentadas a sufrágio o Governo anunciou as concretas medidas de redução da carga fiscal em sede de IRS. O valor de redução operada de receita ronda os 300 milhões de euros, o que, no quadro do atual compromisso das contas certas, nos parece razoável. O que não nos parece razoável é que a redução não abranja os contribuintes do 9.o escalão, cujo rendimento líquido anual ultrapassa 80 000,00€. Importa reter alguns dados. Com o procedimento de ajuda financeira internacional, uma das imposições da troika foi o aumento da carga fiscal, nomeadamente sobre o rendimento das pessoas singulares. Desta imposição resultou um “aumento brutal”........

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