Sabia que proporcionalmente houve na Resistência em França mais portugueses que franceses? E sabia que mil portugueses combateram os exércitos de Hitler em França? Pois bem, estes dados até aqui ignorados por muita gente, são revelados agora em dois livros notáveis de José Manuel Barata-Feyo: “A Sombra dos Heróis” (2019) e “Os Soldados Fantasma” (2023). No primeiro, que o levou a França onde esteve exilado, o jornalista consagrado, agora investigador aguerrido, dá-nos retratos admiráveis de portugueses de têmpera que combateram o nazismo como resistentes. Esquecidos em Portugal porque pertenciam a uma classe social baixa, em França estes humildes foram literalmente ignorados e soterrados durante décadas. Barata Feyo faz-nos saber que De Gaulle escamoteou sempre o contributo dos estrangeiros para a Resistência pois quis sempre enterrar a imagem da França colaboracionista. Outra mania facciosa do célebre estadista foi dar pouca importância à Resistência já que nela tinham participado, proporcionalmente, muitos poucos franceses. Dos 350 resistentes lusos, 347 nasceram em Portugal. Destes autênticos heróis, salientamos a figura de António Baltazar, capitão Baltazar, operário numa siderurgia, em França desde os 4 anos. Preso pela polícia francesa devido às suas actividades antialemãs, é encarcerado e depois colocado num campo. Após três anos de cativeiro, consegue evadir-se e adere ao grupo de resistentes da região. Oficial valente, no decorrer de um combate contra os SS, na estação de Vaugues, abate um oficial alemão que tentava prendê-lo e dois soldados, e antes de morrer ainda tem tempo para gritar: “Morte aos boches!”. Em 2015, faleceu com 102 anos, na aldeia de Étobon, Ermelinda Viana. Fora para o país de Victor Hugo aos sete anos e trabalhou para a França Livre como agente secreta. Ermelinda trabalhava na fábrica Peugeot, em Sochaux, como secretária estenodactilógrafa, e passavam-lhe pela mão todos os planos secretos relacionados com a produção militar da fábrica. Foi assim que deu conta disso ao seu irmão que passava a fronteira para a Suíça dando depois os planos aos Aliados. António Rato entrou para a Resistência e sabotava linhas de caminho-de-ferro assim como fazia emboscada às colunas inimigas. Antes era lenhador numa aldeia a 150 quilómetros de Paris. Acabou por ser preso e foi condenado a ser fuzilado. Morreu a cantar. Barata-Feyo assinala-nos ainda que o local nacional de onde saíram mais resistentes para combater os nazis em França foi Peroviseu. E, finalmente, em anexo deste livro imperdível, ele dá-nos a lista de todos os resistentes portugueses, das localidades onde nasceram e dos seus feitos. E cita o presidente americano Eisenhower, para levar a água ao seu moinho: «Sem os resistentes, a libertação da França teria sido mais demorada». Quatro anos depois deste livro que desenterrou cenas da História completamente desconhecidas, Barata-Feyo dá-nos mais uma obra fascinante.

“Os Soldados Fantasma” põem em relevo os valorosos portugueses que combateram em França de armas na mão a barbárie nazi durante a Segunda Guerra Mundial. Destes mil voluntários esquecidos que integraram o exército francês ou a Legião Estrangeira francesa, destacamos aqui Artur Pádua que morreu em França em 1989 e que nunca falava do seu passado de guerra apesar de ter passado sete anos num cativeiro na Alemanha e libertado só em 1946. Joaquim dos Santos/ Valdemar Leónidas tinha combatido do lado dos republicanos antes de integrar a Legião Estrangeira francesa e destacou-se como combatente de la Nueve (companhia composta por refugiados políticos na maioria pertencendo ao exército republicano espanhol), a primeira companhia a libertar Paris. Desabafando comigo depois destas investigações titânicas, o nosso autor beirão confessou-me que o que o deixou muito desiludido foi ver que certos grupos que estavam do lado certo da História e por quem ele tinha simpatia cometeram tantas atrocidades como o inimigo que combatiam, e isto principalmente na Guerra Civil Espanhola. E concluiu: «As democracias portaram-se muito mal com os republicanos». Do seu refúgio, no alto da Gardunha, o sábio José Manuel Barata-Feyo continua a ser-nos indispensável e sem esta sua contribuição hoje estaríamos mais pobres e surdos.

QOSHE - Barata-Feyo exuma portugueses heróicos - Manuel Da Silva Ramos
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Barata-Feyo exuma portugueses heróicos

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10.04.2024

Sabia que proporcionalmente houve na Resistência em França mais portugueses que franceses? E sabia que mil portugueses combateram os exércitos de Hitler em França? Pois bem, estes dados até aqui ignorados por muita gente, são revelados agora em dois livros notáveis de José Manuel Barata-Feyo: “A Sombra dos Heróis” (2019) e “Os Soldados Fantasma” (2023). No primeiro, que o levou a França onde esteve exilado, o jornalista consagrado, agora investigador aguerrido, dá-nos retratos admiráveis de portugueses de têmpera que combateram o nazismo como resistentes. Esquecidos em Portugal porque pertenciam a uma classe social baixa, em França estes humildes foram literalmente ignorados e soterrados durante décadas. Barata Feyo faz-nos saber que De Gaulle escamoteou sempre o contributo dos estrangeiros para a Resistência pois quis sempre enterrar a imagem da França colaboracionista. Outra mania facciosa do célebre estadista foi dar pouca importância à Resistência já que nela tinham participado, proporcionalmente, muitos poucos franceses. Dos 350 resistentes........

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