“Agora nós, portugueses”. Era este o título que se exaltava a partir da primeira página do Jornal do Fundão de 5 de maio de 1974, o primeiro número do JF onde os ecos nacionais e regionais da Revolução dos Cravos se fizeram sentir com intensidade. Este foi o dia sonhado por milhões de portugueses e que agora se consubstanciava num dos maiores desafios coletivos da longa história desta nação. A revolução tinha pouco mais de uma semana e nestas páginas escrevia-se: “Esta revolução da flor, da paz, da alegria, da liberdade tem apenas alguns dias. Mas cada minuto foi um tempo verdadeiro de acção e coragem. A vigilância insone, a actuação firme e inteligente, a decidida tomada de posições deram a este breve período o lugar histórico que, ao longo dos séculos, Portugal raramente viveu”.

Folheando as 16 páginas da edição número 1425, todas elas são de esperança límpida e imaculada. É impossível saber o que sentiram aqueles que escreveram as primeiras linhas em liberdade, páginas de alegria, de esperança e de júbilo que não tiveram de se submeter, pela primeira vez em mais de quatro décadas, à arbitrariedade e à infâmia da censura. Só intuímos que se libertava, por fim, o direito a sonharmos individual e coletivamente. E o que dizer daqueles que por toda a Beira Interior encheram praças, ruas e avenidas dando vivas a um novo Portugal, sem medo de que os seus gritos de liberdade os pudessem levar ao cárcere? O país emergiu da longa noite da ditadura com sede de liberdade, de ser “inteiro”, de conquistar para si o direito de escrever o futuro em tons menos sombrios. São estas 16 páginas impressas em tinta de esperança — como nenhumas outras o foram na história deste semanário — que fazemos questão de reeditar com este número. É um compromisso que assumimos para com a memória de um país e de uma região que hoje se pode rever na celebração dos primeiros dias da liberdade. É o testemunho do início do caminho que fizemos em conjunto rumo a um país democrático, depois de quase meio século de palavras amordaçadas. É a celebração do 25 de Abril, abraçando todas e todos os que o tornaram possível, todas e a todos os que o tomaram como seu e a todas e a todos que ajudaram a construir um país pleno, sem grilhões no pensamento e na ação.

Mas esta reedição do jornal de 5 de maio de 1974 é, também, um alerta para quem não conheceu outras realidades que não a da democracia e o pleno usufruto das liberdades individuais, garantidas pela Constituição de 1976. Esta evocação da memória dos dias que se viveram há 50 anos é um poderoso lembrete que nos fica de que, na vida em sociedade e na organização dos países, não há estados naturais nem perenes. A liberdade, a democracia, os direitos que hoje temos como inalienáveis e inamovíveis foram conquistas e como todas as conquistas devem ser defendidas dos seus inimigos, sobretudo os que avançam com pele de cordeiro, deixando, por ora, as alcateias que verdadeiramente lideram nas sombras.

Mas hoje é o dia. Uma quinta-feira, tal como “o dia inicial inteiro e limpo”, de Sophia de Mello Breyner Andresen o foi em 1974. Foi longa esta caminhada, mas os caminhos de Abril nunca estão terminados. E enquanto os cravos continuarem a passar de mão em mão, que ninguém duvide, esses caminhos continuarão a ser feitos.

Viva o 25 de Abril!

QOSHE - A edição da esperança - Nuno Francisco
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A edição da esperança

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23.04.2024

“Agora nós, portugueses”. Era este o título que se exaltava a partir da primeira página do Jornal do Fundão de 5 de maio de 1974, o primeiro número do JF onde os ecos nacionais e regionais da Revolução dos Cravos se fizeram sentir com intensidade. Este foi o dia sonhado por milhões de portugueses e que agora se consubstanciava num dos maiores desafios coletivos da longa história desta nação. A revolução tinha pouco mais de uma semana e nestas páginas escrevia-se: “Esta revolução da flor, da paz, da alegria, da liberdade tem apenas alguns dias. Mas cada minuto foi um tempo verdadeiro de acção e coragem. A vigilância insone, a actuação firme e inteligente, a decidida tomada de posições deram a este breve período o lugar histórico que, ao longo dos séculos, Portugal raramente viveu”.

Folheando as 16 páginas da........

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