Com a chegada do final de cada ano, multiplicam-se os desejos para que os próximos 365 dias sejam melhores que os que passaram. Há um renovar da esperança que conseguiremos superar as dificuldades e os obstáculos que inevitavelmente se colocarão no nosso caminho. A poucos dias de um novo ano entrar em cena estão já devidamente identificados alguns desses obstáculos coletivos com que nos iremos deparar, muitos deles transitando deste ano: Conflitos armados na Europa e no Médio Oriente, ameaças de instabilidade política em geografias decisivas, uma economia global em abrandamento e a completa incapacidade de revertermos o caminho para o abismo das alterações climáticas. E estes são apenas alguns dos contextos onde a imprevisibilidade irá desfilar. Por muito que se deseje um 2024 melhor do que 2023, o próximo ano irá receber créditos muito perigosos e a sua gestão é uma verdadeira incógnita por mais cartas que se lancem por estes dias para se adivinhar o futuro. Chamar a esperança nunca foi má ideia, mas convém que cada um faça a sua parte para lhe abrir o caminho. A esperança, por si, de pouco vale se quem tem a capacidade de a alimentar não o faz, nomeadamente através de ações concretas e decisivas.

Transita também para o próximo ano a velha questão da gestão do território e da falta de coesão. Se há tema que já se habituou a transitar de ano, foi este. Aos iludidos que acham que tudo se resolve com o despejar de dinheiro sobre territórios sem gente, talvez seja melhor olharem outra vez. O problema é, evidentemente, de dinheiro, mas é sobretudo a montante que está a causa do cenário em que habitamos - a velha questão da falta de coesão alimenta-se de uma inebriante falta de estratégia, gestão e planeamento. E gastar dinheiro - só porque se tem e se pode gastar em determinado momento - sem se saber muito bem para quê a não ser para a glória momentânea, nem com que efeitos a longo prazo, não tem sido uma ideia particularmente brilhante e compensadora. Evidentemente que inaugurar seja lá o que for dá sempre boas fotografias e para se grafarem bons discursos. Depois, levanta-se o efémero espetáculo e a questão que fica a pairar por gerações é: O que é que “aquilo” contribuiu para travar o despovoamento, para fomentar a atividade económica, para captar oportunidades, para diminuir desigualdades? No fundo, o que é que contribuiu, de facto, para a tal “coesão territorial”?

Nas legislaturas de António Costa foi um facto que esta questão foi levada bem mais a sério e a coesão territorial deixou de ser apenas mais um adorno nos discursos até quando se inauguravam, algures, mais um metro de alcatrão, uma rotunda ou a remodelação de um fontanário. O perigo da erosão dos conceitos, tornando-os pífios e alvos de ridicularização é o uso que se lhe dão sem noção do que representam, usando-os até à exaustão sem critério, sem qualquer conexão com a realidade que supostamente traduzem. Se alguém ainda tem dúvidas sobre o que são investimentos que contribuem para a coesão territorial, aqui ficam três exemplos de planeamento público: A Universidade da Beira Interior, no campo do ensino e da investigação e no papel que teve - e tem - na reconfiguração de uma cidade e de uma região; o Regadio da Cova da Beira, apesar de ter demorado meio século a ser concluído, e a A23, apesar das injustíssimas portagens ainda em vigor.

Que seja um bom 2024... também no planeamento.

QOSHE - A esperança não caminha sozinha - Nuno Francisco
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A esperança não caminha sozinha

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29.12.2023

Com a chegada do final de cada ano, multiplicam-se os desejos para que os próximos 365 dias sejam melhores que os que passaram. Há um renovar da esperança que conseguiremos superar as dificuldades e os obstáculos que inevitavelmente se colocarão no nosso caminho. A poucos dias de um novo ano entrar em cena estão já devidamente identificados alguns desses obstáculos coletivos com que nos iremos deparar, muitos deles transitando deste ano: Conflitos armados na Europa e no Médio Oriente, ameaças de instabilidade política em geografias decisivas, uma economia global em abrandamento e a completa incapacidade de revertermos o caminho para o abismo das alterações climáticas. E estes são apenas alguns dos contextos onde a imprevisibilidade irá desfilar. Por muito que se deseje um 2024 melhor do que 2023, o próximo ano irá receber créditos muito perigosos e a........

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