O início desta semana foi marcado pela notícia do excedente orçamental recorde em democracia. O Instituto Nacional de Estatística confirmou, na segunda-feira, o maior excedente orçamental registado no Portugal democrático: Nada mais, nada menos do que 3.193,5 milhões de euros, o que corresponde a 1,2% do PIB. Esta é apenas a segunda vez, nos últimos 50 anos, em que o saldo das contas do Estado ficam no verde, superando por muito o excedente de Mário Centeno em 2019, quando as contas tiveram um saldo positivo correspondente a 0,1% do PIB. Ou seja, parece que os cofres nacionais não estando a transbordar, estão bem aforrados. Obviamente que o terreiro da pátria depressa ficou cheio de vozes autorizadas a opinar para onde deveriam ir os mais de três mil milhões de euros que ficaram nos cofres. Também houve quem recordasse que Portugal tem uma dívida pública elevadíssima, a rondar os 100 por cento do PIB, ou seja, o equivalente a toda a riqueza produzida no país durante um ano, e que com o mundo a navegar em mares agitados , o melhor é mesmo ter cautela com as contas que se fazem apressadamente, porque o excedente pode ainda a vir ser necessário a breve prazo, não só como sinal para acalmar os mercados da dívida, como para mitigar os efeitos de uma crise global que pode rebentar a qualquer momento. Seja como for, a questão fundamental que se coloca é se parte substancial desse excedente não deveria ter sido investido em setores como o da saúde ou o da educação, onde manifestamente há problemas que têm de ser resolvidos. Ou, ainda, servir de almofada financeira que sustentasse uma maior baixa de impostos para a classe média e para as pequenas e médias empresas. Dir-se-á que o governo de António Costa, olhando para o panorama global, preferiu ser comedido nas ações e não arriscar em demasia, evitando assumir encargos em tempo de desafogo financeiro, mas que se tornarão permanentes nas contas do Estado, independentemente do contexto económico, como é o caso dos salários. Há sempre o reverso da medalha quando se tomam decisões que exigem ténues equilíbrios: A insatisfação que grassou em alguns setores da sociedade terá contribuído decisivamente para que, nas recentes eleições, o PS fosse conduzido até à derrota eleitoral, quando há apenas dois anos tinha alcançado uma retumbante vitória, traduzida numa maioria absoluta. Ironicamente, o dinheiro no cofre e o recorde de aforro na democracia pouco terá servido ao Governo de António Costa. Tal facto poderá mesmo ter sido uma das causas indiretas da derrota nas eleições. O ainda ministro das Finanças, Fernando Medina, veio, na segunda-feira — como seria de esperar — defender os benefícios da filosofia das contas certas, deixando também um evidente recado ao novo governo: “A capacidade de resposta evidenciada perante as dificuldades da pandemia e da crise inflacionista confirma que é fundamental que Portugal mantenha políticas que assegurem o equilíbrio orçamental e a redução da dívida pública. Só esse caminho nos permitirá apoiar as famílias e a economia em momentos de crise e preservar e continuar a reforçar a credibilidade externa do país.” Luís Montenegro não se comoverá muito com estas palavras. Sabe que algumas das promessas que fez em campanha podem já avançar sem problemas para o orçamento do Estado. Quanto às contas certas, ele tentará que os acertos não lhe custem umas eleições.

QOSHE - Contas certas: Entre o ter e o parecer - Nuno Francisco
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Contas certas: Entre o ter e o parecer

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27.03.2024

O início desta semana foi marcado pela notícia do excedente orçamental recorde em democracia. O Instituto Nacional de Estatística confirmou, na segunda-feira, o maior excedente orçamental registado no Portugal democrático: Nada mais, nada menos do que 3.193,5 milhões de euros, o que corresponde a 1,2% do PIB. Esta é apenas a segunda vez, nos últimos 50 anos, em que o saldo das contas do Estado ficam no verde, superando por muito o excedente de Mário Centeno em 2019, quando as contas tiveram um saldo positivo correspondente a 0,1% do PIB. Ou seja, parece que os cofres nacionais não estando a transbordar, estão bem aforrados. Obviamente que o terreiro da pátria depressa ficou cheio de vozes autorizadas a opinar para onde deveriam ir os mais de três mil milhões de euros que ficaram nos cofres. Também houve quem recordasse que Portugal tem uma........

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