1 - Infelizmente para a maioria de nós, o arrancar de folhas no calendário e a mudança de ano não se traduz numa mudança imediata no quer que seja. A serena continuidade da linha do tempo, com mais ou menos solavancos, continua a lidar com o quotidiano da forma desejada por quem realmente determina o rumo dos dias. Naturalmente que no dia inaugural de cada ano devemos alimentar a esperança perante a grande incógnita que temos perante nós e que se somem desejos, genéricos e benévolos, para nós e para os outros. Todos o fizemos e todos esperamos que se cumpram. A questão é que o tempo continua a contar e se há coisas que invariavelmente não dependem de nós, outras há que podem contribuir para a concretização de alguns desses desejos. E este é um excelente ano para recordarmos que as mudanças que nascem na sociedade podem alterar definitivamente o rumo da vida de um país. Entramos no ano em que se vão celebrar os 50 anos do 25 de Abril. Esta data congrega em si a semente de outras revoluções para além da revolução que foi. Meio século é muito tempo, tempo demais para se esquecer e para se fazer com que se alimentem alguns mitos. Foi o tempo inaugural para se sonhar um outro Portugal, resgatado de meio século de uma ditadura que encarcerou homens e mulheres de pensamento livre, que censurou, que oprimiu, que manteve a maior parte do país sob o jugo de uma pobreza endémica traduzida apenas na sobrevivência diária e que criou irremediáveis fluxos migratórios, onde o acesso à saúde e a um sistema de segurança social eram cenários retirados de obras de ficção científica. Não admira, pois, que as notícias que contivessem comparativos económicos e sociais entre Portugal e os restantes países da Europa e da OCDE estivessem no topo da lista dos cortes da Censura, sempre disposta a mandar para debaixo do tapete aquilo que crescentemente se via e sentia. Foi sobre um colossal fosso económico e social em relação à maioria dos países da Europa que se começou a construir o Portugal democrático e livre, não sem dores, não sem falhas, não sem erros. No dia 1 de janeiro de 1974, apesar de muitos o desejarem, poucos ousavam antecipar o que se passaria poucos meses depois. Mas aconteceu e foi dado o primeiro grande passo que nos trouxe até aqui. E é aqui que entra, forçosamente, o dever da memória, o dever de informar, de esclarecer, de explicar o percurso que nos trouxe até aqui. E celebrar o que coletivamente conquistamos, apesar das divergências, apesar das zangas, apesar de tudo o que nos possa ter separado. Este é o ano em se celebra um renascimento coletivo e o fortalecer da crença de que a mudança que tantas vezes sonhamos pode nascer em nós. E essa foi uma das grandes lições do 25 de Abril de 1974.

2 - A situação que se vive no Global Media Group é, como se sabe, alarmante, com marcas de informação como o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias e a rádio que revolucionou a forma de se fazer rádio e jornalismo em Portugal - a TSF - em risco de sobrevivência. Não bastam palavras de solidariedade, nem as expectáveis lágrimas de crocodilo quando a tragédia acontecer. Não se percebe a completa inércia dos poderes públicos com o continuado estado de degradação do setor que tem um papel decisivo na democracia. Muitos países europeus já o perceberam e atuaram. Por aqui ainda se continua a achar que, neste setor, tudo se resolve com desejos e palmadinhas nas costas.

QOSHE - Duas notas de ano novo - Nuno Francisco
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Duas notas de ano novo

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03.01.2024

1 - Infelizmente para a maioria de nós, o arrancar de folhas no calendário e a mudança de ano não se traduz numa mudança imediata no quer que seja. A serena continuidade da linha do tempo, com mais ou menos solavancos, continua a lidar com o quotidiano da forma desejada por quem realmente determina o rumo dos dias. Naturalmente que no dia inaugural de cada ano devemos alimentar a esperança perante a grande incógnita que temos perante nós e que se somem desejos, genéricos e benévolos, para nós e para os outros. Todos o fizemos e todos esperamos que se cumpram. A questão é que o tempo continua a contar e se há coisas que invariavelmente não dependem de nós, outras há que podem contribuir para a concretização de alguns desses desejos. E este é um excelente ano para recordarmos que as mudanças que nascem na sociedade podem alterar definitivamente........

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