Desde domingo que já foram emitidas milhares de opiniões sobre o que aconteceu nas eleições. Apesar da incerteza política agora criada por uma precipitada dissolução da Assembleia da República, as coisas são mais evidentes do que parecem: Os próximos anos vão ser de uma absoluta instabilidade política em Portugal e quem vai receber a primeira fatura serão os do costume. Durante a campanha eleitoral falou-se de quase tudo, menos daquilo que interfere diretamente com o dia-a-dia de cada português e que está dependente de fatores exteriores. Apenas um exemplo: A galopada da inflação na Europa — agora relativamente controlada — e a consequente subida das taxas de juro para a tentar travar não foram decretadas na Assembleia da República, nem no palacete de S. Bento ou no palácio de Belém. A subida dos preços, nomeadamente os da alimentação, tiveram como primeira razão a eclosão de um conflito militar na Europa, desregulando as cadeias de distribuição globais e limitando o acesso a bens primários fundamentais. A subida vertiginosa das taxas de juro — a panaceia habitual para travar a escalada da inflação — foi imposta pelo Banco Central Europeu e só tivemos de a acatar, tal como todos os outros países da Zona Euro. A mirabolante ideia de que tudo se decide e que tudo acontece por vontade própria e dentro destas fronteiras e que com um simples estalar de dedos começa a chover dinheiro em todo o lado, fez caminho e ninguém sequer se preocupou em explicar que, para o melhor e para o pior, estamos dependentes do que acontece por esse mundo fora. A opção é o “orgulhosamente sós” da pobreza generalizada, que já lá vai e a ele não se vai voltar. Tudo isto não foi explicado, porque não se quis estragar a narrativa eleitoral com o incerto. As certezas do “nós vamos fazer” e do “agora é que é” não se compadecem com coisas que acontecem a milhares de quilómetros nem com cenários geopolíticos e ameaças cada vez mais latentes à já precária estabilidade mundial. A explicação de tudo isto, para além de ir contra a obrigatória onda de salvação e dos grandes horizontes de esperança que têm de ser criados em campanha eleitoral, não cabe em exauridos soundbites que preenchem os noticiários e entretêm os comentadores. Lamentamos, mas a realidade é muito mais complexa do que aquela que os arautos das frases feitas e de outras inanidades gritam. A política não é um cardápio de banalidades, mas é praticamente a isso que está reduzida. E será precisamente daqui que, mais uma vez, nascerá a grande desilusão, nomeadamente entre aqueles que se publicitam eleitoralmente como os salvadores da pátria, réplicas de S. Sebastiões de onde não se verte uma ideia estruturada. A grande desilusão crescerá, depois, quando as frases que ficaram muito bem nos cartazes forem devoradas pela complexidade do mundo. O futuro imediato do país já se começou a escrever e cá estaremos todos para ver o que nos traz a marcha do tempo. Para depois se apurarem os resultados entre o deve e o haver, ou, como se prefira, entre o que se diz e o que se faz. ­­

Por fim, no ano em que se assinalam os 50 anos do 25 de Abril, todos esperamos que a memória e o património de valores legados por quem deu o sangue, o suor e as lágrimas para que este país pudesse ser livre e democrático sejam respeitados. Quanto ao futuro governo, a melhor das sortes. Porque, quer a sorte, quer o azar, serão, como sempre, encaminhados para nós.

QOSHE - E depois veio a realidade... - Nuno Francisco
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

E depois veio a realidade...

15 0
13.03.2024

Desde domingo que já foram emitidas milhares de opiniões sobre o que aconteceu nas eleições. Apesar da incerteza política agora criada por uma precipitada dissolução da Assembleia da República, as coisas são mais evidentes do que parecem: Os próximos anos vão ser de uma absoluta instabilidade política em Portugal e quem vai receber a primeira fatura serão os do costume. Durante a campanha eleitoral falou-se de quase tudo, menos daquilo que interfere diretamente com o dia-a-dia de cada português e que está dependente de fatores exteriores. Apenas um exemplo: A galopada da inflação na Europa — agora relativamente controlada — e a consequente subida das taxas de juro para a tentar travar não foram decretadas na Assembleia da República, nem no palacete de S. Bento ou no palácio de Belém. A subida dos preços, nomeadamente os da alimentação, tiveram........

© Jornal do Fundão


Get it on Google Play