Não percebemos muito bem como é que nascem os sonhos. Só sabemos que eles vão assumindo, pouco a pouco, uma dimensão de convicção. E um dia, porventura, teremos a sorte de alguns desses sonhos se concretizarem, seja a nível pessoal, seja a nível profissional. Permitam-me que use o meu trajeto pessoal para dar conta disso mesmo. Não houve um momento de epifania onde tenha decidido que queria ser jornalista. Foi um trajeto que se foi construindo abraçando factos, perceções, influências e colecionando múltiplos fascínios. Tudo somado, a vida permitiu-me que tenha alcançado o tal sonho de um dia ser jornalista e que já vinha a ser acalentado desde meados do ensino secundário. Tudo isto tem a ver com aqueles momentos de fascínio que nos levam a consolidar um sonho. E um desses meus fascínios de jovem foi a TSF. Era a rádio que eu ouvia preferencialmente em casa; era a rádio que pedia aos meus pais para que a sintonizassem no carro, desejo a que pacientemente acudiam, quer a viagem demorasse meia hora ou fosse uma longa jornada. Não sei se muitos terão a noção do que representou esta rádio para o jornalismo em Portugal e, sobretudo, para os ouvintes. Hoje é muito fácil adjetivar tudo nos patamares mais cimeiros da glória, desde o mais banal facto até ao mais risível dos acontecimentos como feitos de monta. Adjetivos laudatórios avulso ao ponto de no meio de tanta promoção e autopromoção, dificilmente conseguimos distinguir o que de facto é notável e aquilo que é elevado a notável porque sim, porque elogiar é de graça e não há que se poupar nas palavras. Daí que é muito difícil, sem cair em lugares comuns, transmitir a noção do que foi e é a TSF enquanto grande escola de jornalismo e sua importância enquanto casa de grandes profissionais que deixaram marcas em centenas de profissionais da informação que olhavam para eles como referências absolutas. E como eles mereciam ser olhados como tal. Fernando Alves, Sena Santos, António Macedo, David Borges, Emídio Rangel, Carlos Andrade, Jorge Perestrelo e muitos outros homens e mulheres que tantas vezes nos levaram “ao fim da rua, ao fim do mundo” por uma boa história, por uma notícia, com um profissionalismo, dinamismo e paixão pela rádio e pelo jornalismo absolutamente notáveis e contagiantes. Foi esta gente ímpar do jornalismo português que inspirou muitos, entre eles jovens como eu que sonhavam ser como eles, que ficavam fascinados quando, nos anos 90, passavam pelo imponente edifício sede da TSF, localizado na Avenida de Ceuta, em Lisboa. A TSF é uma instituição inquebrantável e intocável de Portugal, tal como o são o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias e o Açoriano Oriental, entre outros. O que se está a passar no setor, e muito concretamente no grupo que detém estas marcas históricas da informação, é um pesadelo que urge terminar. Não vou aqui defender a importância do jornalismo nas sociedades democráticas, de tão óbvio que este facto é. O que venho aqui defender é outra coisa: O respeito devido a quem ergueu e manteve estruturas de informação referenciais, os que deram e os que dão tudo pelo prestígio dessas marcas de informação que se confundem com a história do país e da democracia. É tempo de se repensar o modelo de negócio e de gestão dos media em Portugal. E separar, de uma vez por todas, o trigo do joio. Este é um debate que nos convoca a todos de uma forma urgente.

QOSHE - Ir até ao fim da rua; ir até ao fim do mundo - Nuno Francisco
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Ir até ao fim da rua; ir até ao fim do mundo

13 0
17.01.2024

Não percebemos muito bem como é que nascem os sonhos. Só sabemos que eles vão assumindo, pouco a pouco, uma dimensão de convicção. E um dia, porventura, teremos a sorte de alguns desses sonhos se concretizarem, seja a nível pessoal, seja a nível profissional. Permitam-me que use o meu trajeto pessoal para dar conta disso mesmo. Não houve um momento de epifania onde tenha decidido que queria ser jornalista. Foi um trajeto que se foi construindo abraçando factos, perceções, influências e colecionando múltiplos fascínios. Tudo somado, a vida permitiu-me que tenha alcançado o tal sonho de um dia ser jornalista e que já vinha a ser acalentado desde meados do ensino secundário. Tudo isto tem a ver com aqueles momentos de fascínio que nos levam a consolidar um sonho. E um desses meus fascínios de jovem foi a TSF. Era a rádio que eu ouvia........

© Jornal do Fundão


Get it on Google Play