O percurso dos líderes dos partidos com representação parlamentar nesta campanha eleitoral não deixa de ser elucidativo da representação eleitoral que os territórios têm. O Diário de Notícias publicou, na edição de domingo, os itinerários dos oito líderes e há vários partidos que dispensam a passagem pelas terras da Beira. As razões para tal não merecem crítica, porque resultam apenas de uma fria aplicação da fórmula da rentabilidade entre o tempo da campanha eleitoral e os distritos onde se elegem mais deputados. Assim, vários líderes dos oito partidos com representação parlamentar não estão a equacionar passar por aqui. Estas opções valem o que valem, até porque vir jantar ou fazer arruadas pelas ruas e avenidas da Beira não é sinónimo de obterem mais um voto sequer. Mas estas decisões têm o mérito de mostrar aquilo que é efetivamente relevante: O Interior conta muito pouco também para a eleição dos deputados para a Assembleia da República. Um exemplo? O nosso: O distrito de Castelo Branco elege quatro deputados. O distrito da Guarda, três. Ou seja, o vasto território da Beira Interior elege sete dos 230 deputados da Assembleia da República. O exercício propaga-se por toda a faixa do Interior: Beja elege três deputados; Bragança, três; Évora, três; Portalegre, dois; Vila Real, cinco e Viseu, oito. Tudo somado, o Interior elege 31 deputados, menos 17 que o círculo eleitoral de Lisboa, que elege 48 deputados por si só. Estes números não são, evidentemente aleatórios e resultam de uma relação direta entre o número de eleitores e os mandatos atribuídos. A correlação é simples: Quanto menos eleitores, menos mandatos. A Assembleia da República é, também neste aspeto, um retrato fiel do país: Um Litoral sobrelotado e um Interior à míngua. Logo, porque é que não iria ser também assim na eleição dos deputados? Mas este roteiro de ausências também nos faz notar outras coisas. Primeira: O que está em causa numas eleições legislativas não é a eleição direta de um primeiro-ministro, mas a eleição de deputados que vão determinar as maiorias e as alianças que sustentarão um Governo e um primeiro-ministro. O número mágico dos 116 eleitos marca o início da maioria absoluta. Abaixo desse número estamos a falar de maiorias relativas que poderão exigir entendimentos para que se consiga sustentar um executivo com alguma segurança. Se a eleição fosse como a do Presidente da República, unipessoal, onde o que conta são os votos absolutos obtidos em todo o território, então, provavelmente, os oito líderes passariam por aqui durante o período da campanha eleitoral. Sempre são 305 mil eleitores nos distritos de Castelo Branco e da Guarda. Mas com uma eleição decidida por círculo eleitoral, onde os mandatos são atribuídos através do método de Hondt, quanto mais pequeno for o círculo mais ele favorecerá os maiores partidos - historicamente o PS e o PSD. Ou seja, há quem ache que não vale a pena vir gastar tempo, recursos e energia em geografias onde é quase impossível eleger um deputado. Outra constatação evidente: Se queremos que algo mude na representação dos territórios do Interior, então o método de atribuição de mandatos deverá ser obrigatoriamente revisto e não estar apenas sujeito ao número de eleitores em cada distrito. Esperar que o Interior comece a crescer exponencialmente em população e, assim, ganhar a representatividade perdida é, para já, um puro delírio.

QOSHE - O retrato de um país representado no Parlamento - Nuno Francisco
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O retrato de um país representado no Parlamento

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28.02.2024

O percurso dos líderes dos partidos com representação parlamentar nesta campanha eleitoral não deixa de ser elucidativo da representação eleitoral que os territórios têm. O Diário de Notícias publicou, na edição de domingo, os itinerários dos oito líderes e há vários partidos que dispensam a passagem pelas terras da Beira. As razões para tal não merecem crítica, porque resultam apenas de uma fria aplicação da fórmula da rentabilidade entre o tempo da campanha eleitoral e os distritos onde se elegem mais deputados. Assim, vários líderes dos oito partidos com representação parlamentar não estão a equacionar passar por aqui. Estas opções valem o que valem, até porque vir jantar ou fazer arruadas pelas ruas e avenidas da Beira não é sinónimo de obterem mais um voto sequer. Mas estas decisões têm o mérito de mostrar aquilo que é........

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