Quantas ideias cabem em meia hora de debate? Poucas. São algumas as críticas que se vão ouvindo e lendo sobre o formato dos debates que estão a decorrer nas televisões nacionais onde, na melhor das hipóteses, cada candidato terá - tudo somado - cerca de 13 minutos para expor as ideias sobre uma vastidão de temas. Perante este cenário comunicacional cada vez mais acelerado e fragmentado a tendência para o soundbite para além de óbvia, é inevitável. Frases curtas, palavras fortes, frases construídas na exata medida de um título de jornal ou da abertura de um bloco noticioso televisivo. O discurso político, que já se encontra ao nível do tik tok, a tender para um patamar de uma argumentação que não passa da superfície. É o sim ou o não, o favor ou o contra, os bons e os maus. Pouco ou nada se aprofundam os complexos processos económicos e sociais que estão na origem das opções políticas, que nada mais são do que uma constante gestão dos recursos finitos de um país num difícil equilíbrio entre o custo e o benefício para a comunidade. A realidade é, como bem sabemos, complexa, mas isso pouco interessa para a narrativa em curso. Tudo se resume à busca de um Eldorado feito de uma frase que comprometa o adversário em direto, que fique emoldurada nos rodapés das televisões durante horas e que nos leve aos píncaros da glória nos ombros do batalhão de comentadores que durante horas a fio comentam e dão classificações sobre o que foi dito e desdito em meia hora de debate.

Mas nada disto é novo, a não ser a tendência de um agravamento acelerado pelo contributo das redes sociais, estilhaçando ainda mais o já escasso tempo que dedicamos a cada conteúdo com que somos confrontados. Em 2013 escrevi um texto para um livro denominado “Participação política e web 2.0”, dedicado precisamente à questão do soundbite na política e onde cito uma reportagem do jornal Boston Globe: «No verão de 1992, quando George Bush, Bill Clinton e Ross Perot preparavam a sua corrida presidencial, a CBS anunciou uma nova política para o seu noticiário noturno. A partir de agora, a rede não usaria qualquer soundbite – isto é, qualquer filmagem de um candidato a falar ininterruptamente – que durasse menos de 30 segundos. Tratou-se da resposta da CBS a uma notícia preocupante: Uma investigação da Universidade da Califórnia demonstrou que a duração média do soundbite da TV caíra drasticamente, de 43 segundos na eleição presidencial de 1968 para apenas nove segundos na eleição de 1988. Esta queda levou a muita apreensão - de professores, de jornalistas e de políticos (...) Mas diz-nos ainda este artigo do Boston Globe: “Se assistirem a uma qualquer cobertura política desde 1992, sabem o que aconteceu: a experiência da CBS fracassou. Esta semana, com o início da 112.ª sessão do Congresso, a diminuição do soundbite transformou-se num inimigo dos republicanos e dos democratas (…) Certo é que em eleições presidenciais recentes, o intervalo de soundbites da TV caiu para menos de oito segundos. Um discurso mais curto, mais básico e uma política mais estridente, ao que parece, tornou-se um outro perigo da vida moderna”, conclui o Boston Globe».

Este reinado da “política estridente”, o qual já parece impossível de reverter, feito de discursos reféns da facilidade e da “eficácia” só interessa verdadeiramente ao populismo como solução fácil à medida de cada um. “Soluções” que nunca passam no teste da realidade… Porque esta é bem mais complexa e delicada do que qualquer soundbite.

QOSHE - O soundbite não aguenta o peso dos dias - Nuno Francisco
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O soundbite não aguenta o peso dos dias

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14.02.2024

Quantas ideias cabem em meia hora de debate? Poucas. São algumas as críticas que se vão ouvindo e lendo sobre o formato dos debates que estão a decorrer nas televisões nacionais onde, na melhor das hipóteses, cada candidato terá - tudo somado - cerca de 13 minutos para expor as ideias sobre uma vastidão de temas. Perante este cenário comunicacional cada vez mais acelerado e fragmentado a tendência para o soundbite para além de óbvia, é inevitável. Frases curtas, palavras fortes, frases construídas na exata medida de um título de jornal ou da abertura de um bloco noticioso televisivo. O discurso político, que já se encontra ao nível do tik tok, a tender para um patamar de uma argumentação que não passa da superfície. É o sim ou o não, o favor ou o contra, os bons e os maus. Pouco ou nada se aprofundam os complexos processos económicos e sociais que estão na origem das........

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