1- Nada será mais determinante para nós do que a nossa saúde. Esta asserção é um evidente lugar comum, de tão óbvia que é. O Portugal democrático construiu um Serviço Nacional de Saúde (SNS) com base no pressuposto de que cada português tem direito ao acesso, dentro de padrões economicamente comportáveis, a uma rede pública de cuidados de saúde que lhe garantam os cuidados de saúde necessários. Um serviço público de saúde está longe de ser uma conquista generalizada, mesmo entre nações bem mais ricas do que Portugal, onde quem não tiver seguros de saúde terá que se predispor a pagar muito bem por cuidados de saúde. E quanto mais complexos eles forem, mais caros e inacessíveis serão para a maioria. É por isso que devemos colocar as coisas no seu devido lugar. O SNS foi, é e será sempre uma das conquistas mais felizes da nossa democracia, porque do quase nada se montou uma vasta rede que visou garantir que ninguém, independentemente da sua condição financeira ou localização geográfica, ficasse arredado do direito de ter tratamentos médicos de qualidade. A máquina que sustenta o SNS cresceu muito nas últimas décadas, e com ela foram-se registando profundas modificações sociais, nomeadamente na estrutura etária da população. Esse mesmo SNS que garantiu que Portugal passasse a ter indicadores de saúde dignos do primeiro mundo, ao contrário do que se passava no pré-25 de abril de 1974, tem agora de lidar com outros desafios, nomeadamente com o notável aumento de longevidade para o qual o SNS muito contribuiu, mas que acarreta outras pressões para o sistema, quer ao nível de diagnóstico, que ao nível dos tratamentos. Por estes dias, muito se tem falado da iminente falência do sistema, com as escalas das Urgências a serem cada vez mais difíceis de completar em cada vez mais hospitais. A mediatização destes casos em todo o país contribui para a perceção pública de que o sistema está preso por arames. Este é o tempo do país, no seu todo, tomar, de vez, consciência de que esta rede que tanto custou a construir não pode estar sob ameaça de ruína. A ameaça ao SNS é a ameaça a uma das grandes conquistas da democracia portuguesa que pode ser exibida com orgulho. A degradação do sistema até ao ponto da não-retorno não é uma derrota de um governo, seja ele qual for, é uma derrota coletiva, sobretudo a nossa, cidadãos que nascemos no SNS, que nos tratámos no SNS, que nos vacinámos no SNS, que confiámos nos seus profissionais nas horas mais difíceis. Como tradução de uma ideia feliz, profundamente humana e solidária que passou do papel para as aldeias, vilas e cidades deste país, o SNS é insubstituível. Que todos tenhamos consciência disso.

2 - Mesmo em cima do fecho desta edição, chega a notícia da demissão do primeiro-ministro António Costa por causa das buscas relacionadas com negócios em torno do lítio e do hidrogénio. Na terça-feira, o ministro das Infraestruturas, João Galamba foi constituído arguido, assim como Nuno Lacasta, presidente do conselho diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente. Vitor Escária, chefe de gabinete do primeiro-ministro e Diogo Lacerda Machado, consultor e amigo de António Costa, bem como o presidente da Câmara de Sines e dois administradores da sociedade “Start Campus” foram detidos. Quanto ao primeiro-ministro, é alvo de um inquérito autónomo instaurado no Supremo Tribunal de Justiça. Na terça-feira viraram-se todos os tabuleiros da previsibilidade. Não ficou pedra sobre pedra no cenário político e vamos viver momentos muito difíceis. Veremos nos próximos meses até onde nos levará uma estrada que se adivinha sinuosa.

QOSHE - SNS, demissões e futuro - Nuno Francisco
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SNS, demissões e futuro

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08.11.2023

1- Nada será mais determinante para nós do que a nossa saúde. Esta asserção é um evidente lugar comum, de tão óbvia que é. O Portugal democrático construiu um Serviço Nacional de Saúde (SNS) com base no pressuposto de que cada português tem direito ao acesso, dentro de padrões economicamente comportáveis, a uma rede pública de cuidados de saúde que lhe garantam os cuidados de saúde necessários. Um serviço público de saúde está longe de ser uma conquista generalizada, mesmo entre nações bem mais ricas do que Portugal, onde quem não tiver seguros de saúde terá que se predispor a pagar muito bem por cuidados de saúde. E quanto mais complexos eles forem, mais caros e inacessíveis serão para a maioria. É por isso que devemos colocar as coisas no seu devido lugar. O SNS foi, é e será sempre uma das conquistas mais felizes da nossa democracia, porque do quase nada se montou uma vasta rede........

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