1 - Cumpre-se, no domingo, mais uma etapa nestes quase 50 anos de vivência em democracia. E este facto só pode ser considerado um pormenor ou mera rotina para quem não tenha a perfeita consciência do que um ato eleitoral representa numa democracia. No ano em que celebramos meio século sobre a revolução do 25 de Abril é imperativo reavivar a memória e percebermos o caminho que foi feito por milhares de homens e mulheres que deram sangue, suor e lágrimas para que um dia Portugal pudesse dizer-se orgulhosamente democrático, onde todos pudessem falar e agir livremente e escolher os seus representantes. Ao contrário do que ainda alguns pensarão, a democracia e o exercício da liberdade responsável não são estados naturais; são conquistas que muitos fizeram com elevados sacrifícios para usufruto de todos, mesmo daqueles que olham com desdém para essa democracia, mas não deixando de usar, sem pejo, os seus instrumentos para a tentar desacreditar. Portugal reconciliou-se com os direitos fundamentais que são devidos a todos há quase 50 anos. Um desses direitos chama-se voto livre e universal, onde cada um, em plena consciência, e no uso das suas liberdades, escolhe quem muito bem entende para o representar na Assembleia da República. Este é o nosso “estado natural” há apenas 50 anos, quando Portugal começou a caminhada em direção à democracia. Uma caminhada não isenta de obstáculos e de dificuldades, que deixou para trás um país sem eleições livres, onde havia delito de opinião, onde os opositores políticos eram encarcerados e torturados, onde a liberdade de criação era uma ficção, onde a censura abrasava todas as formas de criação intelectual. Um país com uma taxa de analfabetismo recorde na Europa Ocidental, onde o acesso ao ensino superior estava reservado a uma pequena elite, um país onde o acesso aos cuidados de saúde era uma miragem para a maioria dos cidadãos. E a lista poderia continuar por várias páginas. O que está em causa no domingo, não é mais uma eleição; é a eleição que decorre quando se celebram os 50 anos do 25 de Abril. Em cada ato de votar deve estar presente que este gesto, aparentemente tão simples, implicou o sacrifício de muitos homens e mulheres que nunca deixaram esmorecer o sonho de um país livre e democrático. E é esse país que temos o dever de preservar.

2 - O JF dá conta nesta edição que os cadernos eleitorais da Beira Interior encolheram mais de sete mil eleitores em cerca de dois anos. Mas o enfado e a total ausência de surpresa com que já lemos estas notícias não nos devem desviar do essencial: Continuamos a ter um grave problema em mãos, seja ele confirmado pelos números dos consecutivos Censos, seja ele insinuado pelas atualizações dos cadernos eleitorais: Os números há muito que apontam para o declínio demográfico da região. A única questão que se pode colocar neste ponto é se esse declínio é irreversível. E essa é a resposta que ninguém se atreve a dar. Há quem diga que continuaremos a cair demograficamente e quando chegarmos ao fundo do poço lá ficaremos alguns anos. Depois será provável que se comece a registar algum crescimento. Um crescimento que será sempre pífio e que pouco representará em termos de alteração da realidade. Onde está o fundo do poço é que ninguém sabe. E se, como os números indicam, ainda estamos na fase da queda, é melhor nem tentarmos adivinhar onde estará esse chão.

QOSHE - Votar não é rotina nem pormenor - Nuno Francisco
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Votar não é rotina nem pormenor

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06.03.2024

1 - Cumpre-se, no domingo, mais uma etapa nestes quase 50 anos de vivência em democracia. E este facto só pode ser considerado um pormenor ou mera rotina para quem não tenha a perfeita consciência do que um ato eleitoral representa numa democracia. No ano em que celebramos meio século sobre a revolução do 25 de Abril é imperativo reavivar a memória e percebermos o caminho que foi feito por milhares de homens e mulheres que deram sangue, suor e lágrimas para que um dia Portugal pudesse dizer-se orgulhosamente democrático, onde todos pudessem falar e agir livremente e escolher os seus representantes. Ao contrário do que ainda alguns pensarão, a democracia e o exercício da liberdade responsável não são estados naturais; são conquistas que muitos fizeram com elevados sacrifícios para usufruto de todos, mesmo daqueles que olham com desdém para........

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