Ter voz no espaço público, mesmo que sejamos o mais modesto dos cronistas, implica, a meu ver, a responsabilidade de procurar dizer a verdade e contribuir para um mundo melhor. Vem esta introdução a respeito do que se está a passar em Gaza.

É costume dizer-se que, numa frase onde existe um “mas”, aquilo que se quer transmitir é precisamente o que vem a seguir a esta conjunção adversativa. Vou, por isso, tentar evitar o recurso a esta palavra, até porque é possível defender o direito de Israel a existir e, ao mesmo tempo, exigir o respeito pelos direitos humanos da população de Gaza.

Imaginemos que um grupo terrorista entra numa cidade israelita, como sucedeu nos criminosos ataques do final do ano passado, mantendo como refém a população. As Forças de Defesa de Israel (IDF) rapidamente chegavam ao local, com a eficiência que normalmente as caracteriza, procurando expulsar os terroristas e libertar os reféns.

E que o fariam os militares da IDF? Lançariam ataques aéreos contra zonas residenciais habitadas por cidadãos israelitas, por suspeitar que os terroristas poderiam estar escondidos no seu interior? Cercariam a cidade, impedindo a entrada de alimentos e de ajuda humanitária, para obrigar os terroristas a render-se pela fome, mesmo que no entretanto morressem milhares de cidadãos israelitas? Disparariam a torto e a direito contra voluntários de ONG? Matariam a sangue frio famílias inteiras de cidadãos israelitas que se refugiariam em caves e outros locais (obrigando os pais a escreverem os nomes das suas crianças nos seus pequenos braços e pernas, para que mais tarde alguém possa mais facilmente identificar os seus restos mortais, entre os escombros)?

Creio que tanto eu como o leitor sabemos as respostas a estas questões. A IDF teria de seguir outra estratégia, porque os danos colaterais seriam insuportáveis para a opinião pública.

Com Gaza isto não acontece, porque, palavras piedosas à parte, os governos não estão particularmente preocupados com a população civil que está presa no enclave.

Mas o que está a acontecer em Gaza é um crime horrível contra a Humanidade, como tem repetidamente afirmado o secretário-geral da ONU, António Guterres. E mantermo-nos em silêncio, fazendo de conta que não é da nossa conta, é sermos cúmplices desses crimes. Apenas a força da opinião pública pode obrigar os governos ocidentais a retirarem o seu apoio à estratégia seguida por Netanyahu. Usemos a nossa força.

QOSHE - O silêncio sobre Gaza torna-nos cúmplices - Filipe Alves
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

O silêncio sobre Gaza torna-nos cúmplices

21 0
12.04.2024

Ter voz no espaço público, mesmo que sejamos o mais modesto dos cronistas, implica, a meu ver, a responsabilidade de procurar dizer a verdade e contribuir para um mundo melhor. Vem esta introdução a respeito do que se está a passar em Gaza.

É costume dizer-se que, numa frase onde existe um “mas”, aquilo que se quer transmitir é precisamente o que vem a seguir a esta conjunção adversativa. Vou, por isso, tentar evitar o recurso a esta palavra, até porque é possível defender o direito de Israel a existir e, ao mesmo tempo, exigir o respeito pelos direitos humanos da população de Gaza.

Imaginemos........

© Jornal Económico


Get it on Google Play