O ataque com tinta verde de que foi alvo Luís Montenegro não é condenável por ser contraproducente para a causa que os ativistas defendem, ou por ser uma forma de protesto pouco eficaz, como alguns comentaram. É condenável porque se trata de uma agressão, ponto final. Condenável tanto no plano ético como jurídico, pois num estado de Direito e em democracia ninguém tem o direito de usar a violência para atingir fins políticos.

Sempre houve fanáticos dispostos a recorrer à violência em nome de uma qualquer causa nobre. Nesse aspeto, os fanáticos do clima não são diferentes de outros do passado e do presente. No tempo da Inquisição até se torturavam e matavam pessoas com a justificação de que tal seria necessário para o seu próprio bem. E hoje, em pleno século XXI, continuam a existir fanáticos que usam as mais diversas causas para poderem justificar o mal que fazem a outras pessoas, seja na forma de ataques com tinta, atos violentos ou mesmo atentados terroristas.

O que os fanáticos não compreendem é que a grande vantagem da democracia não é a possibilidade de elegermos os melhores e os mais competentes para nos governarem. Não é, de igual modo, a possibilidade de a maioria ter sempre razão, ou de permitir resolver todos os problemas que o mundo enfrenta, incluindo a crise climática. A grande vantagem da democracia é o facto de ser o único sistema político que permite a transição pacífica e consensual do poder, sem que tenhamos de nos matar uns aos outros, como sucedeu durante séculos.

A democracia parlamentar é o único sistema que permite que pessoas com diferentes opiniões políticas possam estar representadas de forma justa. É também o único sistema que permite que possamos viver em paz apesar das nossas diferenças. Sem respeito pelo Outro não há democracia. É isto que os jovens “climáticos” não entendem, ou talvez não queiram entender, quiçá porque considerem que só deve viver em liberdade e democracia quem pensa como eles.

A crise climática deve preocupar-nos muito, mas a onda de intolerância e a cultura do cancelamento a que aderiu uma grande parte da nossa juventude (e não só) também nos deve preocupar.

Uma onda de intolerância que se alimenta do efeito “bolha” das redes sociais, que faz com que muitas pessoas excluam quem não pense como elas, mas que também deve alguma coisa aos discursos moralistas de muitos protagonistas políticos.

Não deixa de ser curioso, a este propósito, que nas últimas décadas palavras como “promiscuidade”, “corrupto” ou “imoral” tenham perdido muito do seu sentido original, relacionado com os costumes e a moralidade tradicionais (áreas onde passou a ser “proibido proibir”), para ganharem um novo sentido, noutro contexto, como armas de arremesso utilizadas no discurso de políticos populistas e moralistas.

Os políticos que se arvoram a si mesmos como isentos de pecado e que tratam os adversários como seres imorais têm uma grande quota de responsabilidade na crescente agressividade e intolerância a que assistimos na esfera pública. Os bárbaros estão às nossas portas e são fanáticos.

QOSHE - Os fanáticos às nossas portas - Filipe Alves
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Os fanáticos às nossas portas

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01.03.2024

O ataque com tinta verde de que foi alvo Luís Montenegro não é condenável por ser contraproducente para a causa que os ativistas defendem, ou por ser uma forma de protesto pouco eficaz, como alguns comentaram. É condenável porque se trata de uma agressão, ponto final. Condenável tanto no plano ético como jurídico, pois num estado de Direito e em democracia ninguém tem o direito de usar a violência para atingir fins políticos.

Sempre houve fanáticos dispostos a recorrer à violência em nome de uma qualquer causa nobre. Nesse aspeto, os fanáticos do clima não são diferentes de outros do passado e do presente. No tempo da Inquisição até se torturavam e matavam pessoas com a justificação de que tal seria necessário para o seu próprio bem. E hoje, em pleno século........

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