O tempo de campanha eleitoral deveria ser o tempo próprio de discussão dos problemas dos eleitores, bem como das soluções propostas pelos partidos que se apresentam a votos.

No que toca à justiça, o silêncio é gritante e, quando os políticos abordam o tema, parece que a justiça se resume aos chamados megaprocessos. Porém, os tribunais ocupam-se de centenas de milhares de pequenos processos e o sistema de justiça não é só composto pelas questões de direito penal.

Pelo contrário, os problemas que os cidadãos e as empresas têm para resolver no seu dia a dia são essencialmente de direito civil, comercial e societário, laboral e de família e menores.

A cobrança de dívidas, por exemplo, continua a ser inaceitavelmente morosa, mas se o sistema judicial oferecesse mecanismos ágeis, as empresas teriam mais margem de expansão da sua actividade, o que teria impacto nos níveis de investimento, salários e crescimento económico.

O sistema creditício português, como na maioria dos países da Europa continental, é excessivamente garantístico para o devedor, pois o legislador vê o devedor como a parte mais frágil na relação com o credor e, nessa medida, protege-o e guarnece a sua posição.

Quando o devedor incumpre, o credor tem de recorrer necessariamente à via judicial para cobrar o seu crédito, salvo em pouquíssimas excepções, como a celebração de um acordo de dação em cumprimento com o devedor (raro na prática), no âmbito de um penhor mercantil (também raro na prática e com apertados requisitos legais), ou de um do penhor financeiro (só possível entre determinadas entidades), em que a lei permite ao credor apropriar-se do objecto da garantia se o devedor não pagar.

Já se o credor não tiver garantias reais, ou se tiver uma hipoteca a seu favor, não tem alternativa à via judicial. E os processos de cobrança de dívida continuam a demorar longo tempo, com todos os transtornos das despesas e encargos associados.

O crédito é o motor da economia e não haverá economia saudável se os credores continuarem a ter uma via judicial morosa e cara como única resposta para a cobrança de dívidas.

A realidade de contacto dos credores com os tribunais portugueses é dura, por isso, em cenário de vésperas de ida às urnas, lançamos um repto aos partidos políticos para a reflexão e debate sobre o sistema judicial, muito para além dos megaprocessos, desde logo quanto aos mecanismos de resposta à cobrança de dívidas, tão importantes para o dia-a-dia das micro, pequenas e médias empresas, que são o tecido empresarial de suporte da nossa economia.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.

QOSHE - Mercearia jurídica - Marisa Silva Monteiro
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Mercearia jurídica

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04.03.2024

O tempo de campanha eleitoral deveria ser o tempo próprio de discussão dos problemas dos eleitores, bem como das soluções propostas pelos partidos que se apresentam a votos.

No que toca à justiça, o silêncio é gritante e, quando os políticos abordam o tema, parece que a justiça se resume aos chamados megaprocessos. Porém, os tribunais ocupam-se de centenas de milhares de pequenos processos e o sistema de justiça não é só composto pelas questões de direito penal.

Pelo contrário, os problemas que os cidadãos e as empresas têm para resolver no seu dia a dia são essencialmente de direito civil, comercial e societário, laboral e de família e........

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