O tecido empresarial português é maioritariamente composto por micro, pequenas e médias empresas e as sociedades por quotas são a tipologia de sociedade comercial mais escolhida nestes casos.

Na verdade, o regime legal da sociedade por quotas é mais ágil e destinado a realidades empresariais de menor dimensão, com características de sociedade de pessoas e de sociedade de capitais.

As sociedades por quotas são sociedades de pessoas (a pessoa dos sócios é decisiva, razão por que é tão extenso o elenco de matérias sujeitas a deliberação dos sócios) e de capitais (os sócios não respondem perante os credores sociais, salvo se os próprios assim acordarem).

A prática comum nas sociedades por quotas é nomear todos ou alguns sócios como gerentes, o que a lei permite e até parece incentivar, ao prever expressamente que os gerentes podem ser estranhos à sociedade, ou seja, o próprio legislador entende que é pelo menos natural que os gerentes sejam os sócios.

Mas esta prática enraizada nem sempre é conforme às exigências legais impostas aos gerentes, porque a lei impõe-lhes uma gestão cuidadosa, dedicação de tempo, competência técnica e conhecimento do negócio em causa, pelo que os sócios só deveriam ser nomeados gerentes na circunstância de reunirem saber, capacidade e disponibilidade bastantes para o exercício do cargo.

E os deveres legais de cuidado são especialmente importantes nas sociedades por quotas, uma vez que a proximidade dos sócios e a informalidade da estrutura empresarial representam por si só um ambiente propício à derrogação das boas práticas de corporate governance, de que é exemplo a nomeação imponderada dos sócios como gerentes.

A prática da nomeação dos sócios como gerentes só porque são sócios desconsidera e confunde as competências dos titulares de participações sociais e da gerência, por sobreposição das qualidades de sócio e de gerente. E a confusão das posições societárias projecta indevidamente os direitos e os deveres dos sócios nas funções de gerente, o que fragiliza significativamente a separação legal das funções e a natureza de cada órgão.

Por outro lado, designar os sócios como gerentes é fazer letra morta da lei e das normas de conduta impostas aos gerentes, normas em que se alicerça o bom governo societário.

Em Portugal, ainda não há regras de corporate governance com força de lei para as pequenas e médias empresas, mas antes mesmo da força persuasiva legal, as sociedades por quotas poderão afirmar uma era de boas práticas empresariais, imprimindo ainda mais cuidado na gestão, ab initio, na fundação da empresa, desde logo abandonando a tradição de nomeação dos sócios como gerentes (sempre que os sócios não sejam suficientemente disponíveis e conhecedores do negócio), e assim as estruturas empresariais de pequena dimensão muito valorizarão o seu posicionamento, imagem e reputação perante stakeholders tão importantes como bancos, demais credores, clientes e trabalhadores.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.

QOSHE - Sócios-Gerentes, a boa e a má moeda das empresas portuguesas - Marisa Silva Monteiro
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Sócios-Gerentes, a boa e a má moeda das empresas portuguesas

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22.11.2023

O tecido empresarial português é maioritariamente composto por micro, pequenas e médias empresas e as sociedades por quotas são a tipologia de sociedade comercial mais escolhida nestes casos.

Na verdade, o regime legal da sociedade por quotas é mais ágil e destinado a realidades empresariais de menor dimensão, com características de sociedade de pessoas e de sociedade de capitais.

As sociedades por quotas são sociedades de pessoas (a pessoa dos sócios é decisiva, razão por que é tão extenso o elenco de matérias sujeitas a deliberação dos sócios) e de capitais (os sócios não respondem perante os credores sociais, salvo se os próprios assim acordarem).

A prática comum nas sociedades por quotas é nomear todos ou alguns sócios como gerentes, o que a........

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