No relatório de estabilidade financeira, conhecido esta semana, o Banco Central Europeu (BCE) alerta para a pressão adicional sobre as famílias, empresas e governos em cumprirem os seus compromissos, ou seja, pagarem juros e capital dos empréstimos assumidos, dado o fraco crescimento económico previsto e o período de elevada inflação entretanto vivido.

Com efeito, a subida de mais de 4,5% nos juros, a subida mais rápida de sempre, teria consequências ao nível da capacidade dos agentes económicos de se adaptarem a uma nova realidade.

A vida parece mais facilitada aos governos que veem na subida dos preços uma fonte de receitas extraordinária, que permite manter a sustentabilidade da dívida. No entanto, as empresas, e principalmente as famílias, ao não terem tempo para se adaptar e aumentar as suas receitas, seja pelos salários ou vendas, têm constrangimentos que irão afetar a sua capacidade de investimento e de consumo.

Daí ser estranho que o BCE venha agora referir que a sua própria política irá causar um problema às famílias, quando esse era um dos objetivos: reduzir a procura. Um constrangimento de oferta não se consegue resolver pela retirada forçada de bem-estar às famílias, mas sim com o aumento da oferta, como bem sabemos pelo mercado da habitação.

Estas afirmações são também estranhas no sentido em que a subida das taxas de juro, necessária até um certo nível, foi muito para além do que seria necessário para restringir o consumo, sendo ela mesma causadora de inflação, principalmente no setor da habitação, pois os custos de financiamento são superiores quer para a construção, quer para a população.

Assistimos, assim, à maior transferência de riqueza das famílias para o Estado, sem contrapartidas, ao nível da educação, saúde ou justiça. E a Europa está, também, a começar a sentir o resultado das suas políticas, fiscais, orçamentais e monetárias, com o descontentamento dos europeus a refletir-se nas urnas.

A China, a braços com uma crise no imobiliário que dura há pelo menos dois anos, decidiu por sua vez meter mãos à obra e anunciou o apoio a 50 empresas construtoras, num montante de até 446 mil milhões de dólares. Esta medida vai permitir retomar os múltiplos empreendimentos que estavam suspensos e devolver confiança ao consumidor chinês.

Estima-se por isso que a Europa volte a ser pressionada, em 2024, por uma China que a partir do segundo semestre ganhará mais peso na cena internacional com o regresso do consumidor chinês, e por umas eleições americanas cujo resultado é hoje imprevisível. O exagero da subida dos juros vai ter um custo elevado num ano de eleições europeias. Resta saber se aguentamos!

QOSHE - Ai aguentamos, aguentamos! - Pedro Lino
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Ai aguentamos, aguentamos!

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24.11.2023

No relatório de estabilidade financeira, conhecido esta semana, o Banco Central Europeu (BCE) alerta para a pressão adicional sobre as famílias, empresas e governos em cumprirem os seus compromissos, ou seja, pagarem juros e capital dos empréstimos assumidos, dado o fraco crescimento económico previsto e o período de elevada inflação entretanto vivido.

Com efeito, a subida de mais de 4,5% nos juros, a subida mais rápida de sempre, teria consequências ao nível da capacidade dos agentes económicos de se adaptarem a uma nova realidade.

A vida parece mais facilitada aos governos que veem na subida dos preços uma fonte de receitas extraordinária, que permite........

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