Dois anos e meio de pandemia e um ano de inflação colocaram o Fundo Monetário Internacional (FMI) de sobreaviso, tendo trazido para 2023 a ideia de que o mundo está à beira de uma fragmentação geoeconómica. Segundo o FMI, após a crise financeira de 2008, os fluxos globais de bens, serviços e capitais desaceleraram acentuadamente.

As rivalidades geopolíticas terão contribuído, invertendo o longo e progressivo processo de integração económica global que se iniciou na sequência da Segunda Guerra Mundial.

É difícil discordar da visão do FMI. O mundo e a economia estão hoje claramente polarizados. Isto é visível em discursos nacionais autocentrados, mas sobretudo no ressurgimento da guerra. E se, no início de 2023, esta instituição se inquietava com o conflito na Ucrânia, não estará hoje certamente menos apreensiva como o que se passa na Palestina.

Também não é reconfortante tomar consciência que o entendimento de que as guerras se multiplicam resulte de nos termos habituado a não contabilizar o que se passa em África ou noutros territórios mais distantes. Enquanto isso, a paz continua banida do discurso dos dirigentes das grandes potências tradicionais, não sendo um imperativo estratégico.

É que a guerra traz vantagens, mormente económicas. De acordo com a Greenpeace, os acionistas das cinco maiores empresas de petróleo e gás registaram lucros de 192 mil milhões de euros em 2022 na sequência da guerra da Ucrânia. O “Le Monde Diplomatique” cita o Instituto Internacional de Investigação sobre a Paz de Estocolmo (SIPRI), reportando que as despesas militares são as maiores dos últimos 30 anos, representando 2,2% do PIB mundial, sendo os vencedores os grandes produtores de armamento.

Mas a fragmentação geoeconómica e geopolítica é também o corolário dos problemas gerados pela globalização e liberalização dos fluxos internacionais. O FMI centra o olho do furacão nas desigualdades de rendimento, riqueza e oportunidades – as pessoas foram deixadas para trás, refere.

E quando a economia falha, a sociedade não tarda em colapsar. Sentimo-lo na forma como, hoje, o populismo grassa. É uma fragmentação interna que alastra ou, mais grave, uma união em torno daqueles que, sendo menos credíveis, sabem afinar o diapasão pelo descontentamento que se vai tornando senso comum.

Não há uma fórmula mágica para resolver os inúmeros problemas que assaltam o planeta. Mas também não é difícil perceber que ignorar a paz e questionar as conquistas de conforto material das populações não é o caminho. Que a renovação de votos de mais um ano possa trazer esse entendimento.

QOSHE - Um propósito para 2024 - Sofia Vale
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Um propósito para 2024

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12.01.2024

Dois anos e meio de pandemia e um ano de inflação colocaram o Fundo Monetário Internacional (FMI) de sobreaviso, tendo trazido para 2023 a ideia de que o mundo está à beira de uma fragmentação geoeconómica. Segundo o FMI, após a crise financeira de 2008, os fluxos globais de bens, serviços e capitais desaceleraram acentuadamente.

As rivalidades geopolíticas terão contribuído, invertendo o longo e progressivo processo de integração económica global que se iniciou na sequência da Segunda Guerra Mundial.

É difícil discordar da visão do FMI. O mundo e a economia estão hoje claramente polarizados. Isto é visível em discursos........

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