Natal, Democracia e as mil e uma maneiras de cozinhar o bacalhau

Natal, Democracia e as mil e uma maneiras de cozinhar o bacalhau

António Cluny 26/12/2023 10:07

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Que tem, em rigor, a Democracia a ver com o bacalhau?

Desaparecidas muitas das referências religiosas do Natal, foram-se desvanecendo, de seguida, quase como consequência necessária, muitas outras menções a que ele estava associado na cultura popular.

Hoje, não muitas pessoas sabem, verdadeiramente, por que, na ceia de Natal, entre 24 e 25 de dezembro se come – ou comia - bacalhau e, anteriormente, em algumas regiões do país, se comia polvo ao almoço de 24.

Muito poucos sabem sequer o que é abstinência.

O Natal de hoje vangloria-se, com efeito, muito mais da opulência dos presentes e do refinamento da culinária, do que da simplicidade e da renúncia, então presentes no tradicional repasto da ceia.

Daí que, também, as ementas natalícias venham mudando ao sabor da publicidade dos «chefes» e o bacalhau - de cozido, como era tradição - se apresente hoje, cozinhado de outras formas, algumas, reconheça-se, muito mais chamativas, designadamente para as crianças e, até, para um sem número de adultos vorazmente gulosos, mas insensíveis a qualquer restrição.

Acresce que as missas de Natal já não são, também, o que eram.

As missas do galo, por exemplo, quase desapareceram, principalmente nas cidades.

Isto, uma vez que, na hora em que eram celebradas, ocorrem hoje as ceias antecipadas, congregando famílias ou partes delas vindas de vários lados, que, já dispersas, são obrigadas a refazer calendários tradicionais, para poderem satisfazer uns e outros.

Confesso que, nesta matéria, não condescendo facilmente com o abandono de algumas tradições; mesmo que o não coma com frequência durante o ano, gosto de comer bacalhau cozido na véspera de Natal, de saborear rabanadas, bolinhos de jerimú, condescendendo, todavia, em substituir o bolo rei, pelo chamado bolo rainha.

Conheço, aliás, muita gente avessa a tradições que, no que se refere, à dieta natalícia, insiste em comer, como eu, o bacalhau cozido.

O sentido do bacalhau cozido em noite natalícia transformou-se, não sendo ele, hoje, já, mais uma iguaria simples, originada e destinada a abstinências e jejuns religiosos.

Ainda esta semana, ouvi uma reportagem radiofónica em que uma iraniana, que vive no nosso país, confessou que, mesmo sendo muçulmana festeja o Natal com a família, à maneira portuguesa, até para que todos se sintam mais integrados neste seu novo país.

Enfim, quis com isso ela dizer que, na noite de Natal, comem todos, lá em casa, bacalhau cozido, como qualquer bom português.

Reconheço que para muitos – designadamente os estrangeiros – este nosso hábito pode parecer estranho, até porque a degustação do bacalhau cozido, salvo se muito bom, não é coisa fácil.

Mesmo para muitos portugueses, só devido a uma educação rigorosa e recebida desde muitos jovens, lhes foi possível, já tarde, chegar a gostar de tal prato, que, inicialmente, quando crianças, lhes sabia apenas a palha.

Creio, sinceramente, que só a nossa perseverança coletiva conseguiu o extraordinário milagre de converter tal peixe salgado e seco, apesar de devidamente azeitado, num pitéu que a maioria não deixa de elogiar e aceita como distintiva da nacionalidade.

Recordo bem como, após o 25 de Abril, as «forças da reação» – assim eram, então, chamadas e, muitas delas, como tal agiam – tentaram sabotar o Natal dos portugueses para, da inesperada falta do bacalhau, acusarem os famigerados «gonçalvistas».

A coisa esteve feia e foi necessário - mesmo aos ateus - mobilizar todas as suas forças para que tal manjar chegasse, efetivamente, ainda que a preços impróprios, à mesa dos portugueses ricos e a alguns pobres, religiosos ou não.

Na verdade, os apoiantes do PREC e os seus opositores gostavam todos de comer bacalhau cozido e não era fácil, ou simpático, a uns aceder a ele e os outros não.

Além de que, para nos fazer pirraça – a nós «cubanos» do continente - correu a notícia de que na Madeira, que já então era um jardim, havia bacalhau com fartura, o que deu azo a uma mobilização continental para o importar dessa ilha que, já então, navegava por outras águas, a que o continente só acedeu mais tarde.

Hoje, mesmo que sem o açambarcamento do fiel amigo, mas com a sua compra dificultada pelo elevado preço a que chegou, as preocupações e carências dos portugueses não se refletem já, especialmente, em torno do teor da dieta bacalhoeira.

Agora, somos mais europeus, consultamos dietistas e, por trás, comemos rabanadas a pingar calda de açúcar, canela e baunilha.

O que nos falta, este ano, nesta religiosa e, de todos, tão amada época - sempre comemorada também por ateus e agnósticos - é o conhecimento do sentido claro para onde se desloca o país.

A pergunta que se faz, mesmo quando se fala de outros géneros alimentícios, é se, amanhã, vai continuar a haver bacalhau para todos, como se impõe.

É que, como se sabe, as forças políticas centrais e maioritárias e que sempre governaram o país desde o 25 de Abril griparam recentemente, e ao mesmo tempo, os motores com que geravam ilusões, como a do republicano «bacalhau a pataco».

Apesar de seus programas eleitorais, sempre muito detalhados, e das sugestões sempre generosas – mesmo que parecidas entre elas e diferenciando-se, no essencial, apenas no uso dos acentos tónicos, agudos uns e graves outros – tais forças já não convencem verdadeiramente ninguém de que sabem para onde estão a ir e, pior, para onde nos estão a levar.

A experiência de muitos anos levou já os portugueses a perceber que as ideias claras e os objetivos que os partidos que repartem a governação têm, e apregoam antes das eleições, não se coadunam, em quase nada, com a prática que vêm, depois, a concretizar.

Qual o resultado objetivo da realização das ideias – já nem falo em ideais - dos que se arrogam da social-democracia (socialismo democrático, entre nós) ou a dos que se reivindicam da herança democrata e social cristã (agora, assumidamente, direita democrática)?

Os partidos novos – alguns, de facto, já mesmo muito partidos – embora não tendo, ou dando público conhecimento das ideias que têm – se e quando as têm – esclarecem logo, com muito mais objetividade, ao que vêm: e nisso ninguém se deve enganar, nem eles enganam realmente ninguém.

Dos primeiros, os mais velhos - apesar de tudo, mais consistentes, mesmo que pouco coerentes - sabe-se, à exaustão, o que dizem, mas sabe-se, igualmente que, se tendo podido fazer o que diziam o não fizeram, não é agora que o vão fazer.

Destes novos e mais irreverentes, sabe-se muito bem o que, verdadeiramente, pretendem fazer, mesmo que, de tão mau, não o digam.

Que tem isto, em rigor, a ver com o bacalhau?

Na verdade, nada e tudo, também.

A semelhança consiste, tão só, nesta nossa insistência em, por tradição, desejar sempre, à cautela, uma coisa de que, verdadeiramente, já não gostamos assim tanto: como é o caso do bacalhau cozido.

O risco para nossa democracia, reside, pois, no mais recente, inovador e algo extravagante, comportamento coletivo de alguns setores sociais, que é o de, por fastio derivado de tanto tempo sem mudar de receita e sem dela, realmente, já gostarem, quererem, agora, de qualquer jeito, mudar o modo de cozinhar o bacalhau.

Dilema delicado: como comer o bacalhau, afinal?

Mais do mesmo – o cozido - ou, ainda que disfarçado de outro modo, igualmente o mesmo: o bacalhau de sempre?

Em março, veremos.

Cheira-me, todavia, a azia segura.

Bacalhau, mesmo cozinhado diferentemente, é sempre bacalhau; pelo menos para nós, que a ele e às suas mil maneiras de o cozinhar estamos habituados.

E se, por fim, num ato de verdadeira rebeldia e alguma imaginação e aposta no futuro, em vez de bacalhau, ensaiássemos todos cozinhar um outro peixe com stocks menos esgotados e, deste modo, pudéssemos, realmente, comê-lo em conjunto, mais bem repartido e com nova esperança?

Temo, contudo, que, aqueles que proponham tal mudança simples e igualitária no menu da ceia de Natal, venham – como a outro há mais de dois mil anos aconteceu - a ser acusados de radicais e, além disso, por pirraça, interditos de comer bacalhau, cozido ou disfarçado de qualquer jeito.

Dito isto, um Bom Natal para todos e, se possível ainda, com bacalhau cozido.

Desaparecidas muitas das referências religiosas do Natal, foram-se desvanecendo, de seguida, quase como consequência necessária, muitas outras menções a que ele estava associado na cultura popular.

Hoje, não muitas pessoas sabem, verdadeiramente, por que, na ceia de Natal, entre 24 e 25 de dezembro se come – ou comia - bacalhau e, anteriormente, em algumas regiões do país, se comia polvo ao almoço de 24.

Muito poucos sabem sequer o que é abstinência.

O Natal de hoje vangloria-se, com efeito, muito mais da opulência dos presentes e do refinamento da culinária, do que da simplicidade e da renúncia, então presentes no tradicional repasto da ceia.

Daí que, também, as ementas natalícias venham mudando ao sabor da publicidade dos «chefes» e o bacalhau - de cozido, como era tradição - se apresente hoje, cozinhado de outras formas, algumas, reconheça-se, muito mais chamativas, designadamente para as crianças e, até, para um sem número de adultos vorazmente gulosos, mas insensíveis a qualquer restrição.

Acresce que as missas de Natal já não são, também, o que eram.

As missas do galo, por exemplo, quase desapareceram, principalmente nas cidades.

Isto, uma vez que, na hora em que eram celebradas, ocorrem hoje as ceias antecipadas, congregando famílias ou partes delas vindas de vários lados, que, já dispersas, são obrigadas a refazer calendários tradicionais, para poderem satisfazer uns e outros.

Confesso que, nesta matéria, não condescendo facilmente com o abandono de algumas tradições; mesmo que o não coma com frequência durante o ano, gosto de comer bacalhau cozido na véspera de Natal, de saborear rabanadas, bolinhos de jerimú, condescendendo, todavia, em substituir o bolo rei, pelo chamado bolo rainha.

Conheço, aliás, muita gente avessa a tradições que, no que se refere, à dieta natalícia, insiste em comer, como eu, o bacalhau cozido.

O sentido do bacalhau cozido em noite natalícia transformou-se, não sendo ele, hoje, já, mais uma iguaria simples, originada e destinada a abstinências e jejuns religiosos.

Ainda esta semana, ouvi uma reportagem radiofónica em que uma iraniana, que vive no nosso país, confessou que, mesmo sendo muçulmana festeja o Natal com a família, à maneira portuguesa, até para que todos se sintam mais integrados neste seu novo país.

Enfim, quis com isso ela dizer que, na noite de Natal, comem todos, lá em casa, bacalhau cozido, como qualquer bom português.

Reconheço que para muitos – designadamente os estrangeiros – este nosso hábito pode parecer estranho, até porque a degustação do bacalhau cozido, salvo se muito bom, não é coisa fácil.

Mesmo para muitos portugueses, só devido a uma educação rigorosa e recebida desde muitos jovens, lhes foi possível, já tarde, chegar a gostar de tal prato, que, inicialmente, quando crianças, lhes sabia apenas a palha.

Creio, sinceramente, que só a nossa perseverança coletiva conseguiu o extraordinário milagre de converter tal peixe salgado e seco, apesar de devidamente azeitado, num pitéu que a maioria não deixa de elogiar e aceita como distintiva da nacionalidade.

Recordo bem como, após o 25 de Abril, as «forças da reação» – assim eram, então, chamadas e, muitas delas, como tal agiam – tentaram sabotar o Natal dos portugueses para, da inesperada falta do bacalhau, acusarem os famigerados «gonçalvistas».

A coisa esteve feia e foi necessário - mesmo aos ateus - mobilizar todas as suas forças para que tal manjar chegasse, efetivamente, ainda que a preços impróprios, à mesa dos portugueses ricos e a alguns pobres, religiosos ou não.

Na verdade, os apoiantes do PREC e os seus opositores gostavam todos de comer bacalhau cozido e não era fácil, ou simpático, a uns aceder a ele e os outros não.

Além de que, para nos fazer pirraça – a nós «cubanos» do continente - correu a notícia de que na Madeira, que já então era um jardim, havia bacalhau com fartura, o que deu azo a uma mobilização continental para o importar dessa ilha que, já então, navegava por outras águas, a que o continente só acedeu mais tarde.

Hoje, mesmo que sem o açambarcamento do fiel amigo, mas com a sua compra dificultada pelo elevado preço a que chegou, as preocupações e carências dos portugueses não se refletem já, especialmente, em torno do teor da dieta bacalhoeira.

Agora, somos mais europeus, consultamos dietistas e, por trás, comemos rabanadas a pingar calda de açúcar, canela e baunilha.

O que nos falta, este ano, nesta religiosa e, de todos, tão amada época - sempre comemorada também por ateus e agnósticos - é o conhecimento do sentido claro para onde se desloca o país.

A pergunta que se faz, mesmo quando se fala de outros géneros alimentícios, é se, amanhã, vai continuar a haver bacalhau para todos, como se impõe.

É que, como se sabe, as forças políticas centrais e maioritárias e que sempre governaram o país desde o 25 de Abril griparam recentemente, e ao mesmo tempo, os motores com que geravam ilusões, como a do republicano «bacalhau a pataco».

Apesar de seus programas eleitorais, sempre muito detalhados, e das sugestões sempre generosas – mesmo que parecidas entre elas e diferenciando-se, no essencial, apenas no uso dos acentos tónicos, agudos uns e graves outros – tais forças já não convencem verdadeiramente ninguém de que sabem para onde estão a ir e, pior, para onde nos estão a levar.

A experiência de muitos anos levou já os portugueses a perceber que as ideias claras e os objetivos que os partidos que repartem a governação têm, e apregoam antes das eleições, não se coadunam, em quase nada, com a prática que vêm, depois, a concretizar.

Qual o resultado objetivo da realização das ideias – já nem falo em ideais - dos que se arrogam da social-democracia (socialismo democrático, entre nós) ou a dos que se reivindicam da herança democrata e social cristã (agora, assumidamente, direita democrática)?

Os partidos novos – alguns, de facto, já mesmo muito partidos – embora não tendo, ou dando público conhecimento das ideias que têm – se e quando as têm – esclarecem logo, com muito mais objetividade, ao que vêm: e nisso ninguém se deve enganar, nem eles enganam realmente ninguém.

Dos primeiros, os mais velhos - apesar de tudo, mais consistentes, mesmo que pouco coerentes - sabe-se, à exaustão, o que dizem, mas sabe-se, igualmente que, se tendo podido fazer o que diziam o não fizeram, não é agora que o vão fazer.

Destes novos e mais irreverentes, sabe-se muito bem o que, verdadeiramente, pretendem fazer, mesmo que, de tão mau, não o digam.

Que tem isto, em rigor, a ver com o bacalhau?

Na verdade, nada e tudo, também.

A semelhança consiste, tão só, nesta nossa insistência em, por tradição, desejar sempre, à cautela, uma coisa de que, verdadeiramente, já não gostamos assim tanto: como é o caso do bacalhau cozido.

O risco para nossa democracia, reside, pois, no mais recente, inovador e algo extravagante, comportamento coletivo de alguns setores sociais, que é o de, por fastio derivado de tanto tempo sem mudar de receita e sem dela, realmente, já gostarem, quererem, agora, de qualquer jeito, mudar o modo de cozinhar o bacalhau.

Dilema delicado: como comer o bacalhau, afinal?

Mais do mesmo – o cozido - ou, ainda que disfarçado de outro modo, igualmente o mesmo: o bacalhau de sempre?

Em março, veremos.

Cheira-me, todavia, a azia segura.

Bacalhau, mesmo cozinhado diferentemente, é sempre bacalhau; pelo menos para nós, que a ele e às suas mil maneiras de o cozinhar estamos habituados.

E se, por fim, num ato de verdadeira rebeldia e alguma imaginação e aposta no futuro, em vez de bacalhau, ensaiássemos todos cozinhar um outro peixe com stocks menos esgotados e, deste modo, pudéssemos, realmente, comê-lo em conjunto, mais bem repartido e com nova esperança?

Temo, contudo, que, aqueles que proponham tal mudança simples e igualitária no menu da ceia de Natal, venham – como a outro há mais de dois mil anos aconteceu - a ser acusados de radicais e, além disso, por pirraça, interditos de comer bacalhau, cozido ou disfarçado de qualquer jeito.

Dito isto, um Bom Natal para todos e, se possível ainda, com bacalhau cozido.

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Que tem, em rigor, a Democracia a ver com o bacalhau?

Desaparecidas muitas das referências religiosas do Natal, foram-se desvanecendo, de seguida, quase como consequência necessária, muitas outras menções a que ele estava associado na cultura popular.

Hoje, não muitas pessoas sabem, verdadeiramente, por que, na ceia de Natal, entre 24 e 25 de dezembro se come – ou comia - bacalhau e, anteriormente, em algumas regiões do país, se comia polvo ao almoço de 24.

Muito poucos sabem sequer o que é abstinência.

O Natal de hoje vangloria-se, com efeito, muito mais da opulência dos presentes e do refinamento da culinária, do que da simplicidade e da renúncia, então presentes no tradicional repasto da ceia.

Daí que, também, as ementas natalícias venham mudando ao sabor da publicidade dos «chefes» e o bacalhau - de cozido, como era tradição - se apresente hoje, cozinhado de outras formas, algumas, reconheça-se, muito mais chamativas, designadamente para as crianças e, até, para um sem número de adultos vorazmente gulosos, mas insensíveis a qualquer restrição.

Acresce que as missas de Natal já não são, também, o que eram.

As missas do galo, por exemplo, quase desapareceram, principalmente nas cidades.

Isto, uma vez que, na hora em que eram celebradas, ocorrem hoje as ceias antecipadas, congregando famílias ou partes delas vindas de vários lados, que, já dispersas, são obrigadas a refazer calendários tradicionais, para poderem satisfazer uns e outros.

Confesso que, nesta matéria, não condescendo facilmente com o abandono de algumas tradições; mesmo que o não coma com frequência durante o ano, gosto de comer bacalhau cozido na véspera de Natal, de saborear rabanadas, bolinhos de jerimú, condescendendo, todavia, em substituir o bolo rei, pelo chamado bolo rainha.

Conheço, aliás, muita gente avessa a tradições que, no que se refere, à dieta natalícia, insiste em comer, como eu, o bacalhau cozido.

O sentido do bacalhau cozido em noite natalícia transformou-se, não sendo ele, hoje, já, mais uma iguaria simples, originada e destinada a abstinências e jejuns religiosos.

Ainda esta semana, ouvi uma reportagem radiofónica em que uma iraniana, que vive no nosso país, confessou que, mesmo sendo muçulmana festeja o Natal com a família, à maneira portuguesa, até para que todos se sintam mais integrados neste seu novo país.

Enfim, quis com isso ela dizer que, na noite de Natal, comem todos, lá em casa, bacalhau cozido, como qualquer bom português.

Reconheço que para muitos – designadamente os estrangeiros – este nosso hábito pode parecer estranho, até porque a degustação do bacalhau cozido, salvo se muito bom, não é coisa fácil.

Mesmo para muitos portugueses, só devido a uma educação rigorosa e recebida desde muitos jovens, lhes foi possível, já tarde, chegar a gostar de tal prato, que, inicialmente, quando crianças, lhes sabia apenas a palha.

Creio, sinceramente, que só a nossa perseverança coletiva conseguiu o extraordinário milagre de converter tal peixe salgado e seco, apesar de devidamente azeitado, num pitéu que a maioria não deixa de elogiar e aceita como distintiva da nacionalidade.

Recordo bem como, após o 25 de Abril, as «forças da reação» – assim eram, então, chamadas e, muitas delas, como tal agiam – tentaram sabotar o Natal dos portugueses para, da inesperada falta do bacalhau, acusarem os famigerados «gonçalvistas».

A coisa esteve feia e foi necessário - mesmo aos ateus - mobilizar todas as suas forças para que tal manjar chegasse, efetivamente, ainda que a preços impróprios, à mesa dos portugueses ricos e a alguns pobres, religiosos ou não.

Na verdade, os apoiantes do PREC e os seus opositores gostavam todos de comer bacalhau cozido e não era fácil, ou simpático, a uns aceder a ele e os outros não.

Além de que, para nos fazer........

© Jornal i


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