Esperança na forma tentada

Portugal está definitivamente em modo de leilões dos futuros, entre o certo e o incerto, o passado e a promessa, a verdade e o triunfo do populismo, o acervo e o posicionamento eleitoral.

Agora que estão em curso diversos leilões sobre o futuro, a partir das narrativas políticas, de propostas eleitorais e de posicionamentos pontuados pelo desejo de mobilizar o eleitorado para o dia 10 de março, era bom que esta esperança na forma tentada partisse de mínimos de senso e de avaliação das razões que estão na base dos descontentamentos e dos problemas que persistem, sejam eles, estruturais ou de circunstância. Não o fazer, é um primeiro passo para continuar a concretizar soluções políticas de turno e respostas que não resolvem os problemas gerais além do afago dos nichos eleitorais ou de impulsos simbólicos, inconsequentes para a maioria da população.

A esperança, mesmo na forma tentada, precisa de algum nível de compromisso com a verdade, a coerência, a explicação e a sustentabilidade, não pode ser um mero exercício de circunstância eleitoral orientado para a obtenção do voto que depois tudo poderá permitir, mesmo que seja diferente do enunciado e mais em linha com as bases ideológicas de cada um.

É preciso avaliar o passado e compreender as razões que determinam a emergência de situações menos positivas para os equilíbrios e as motivações que estão presentes no funcionamento da sociedade e nos comportamentos individuais. Sem ter a noção dessa linha do tempo e dos acontecimentos, da necessidade em se construírem respostas sustentadas às realidades e ao caminho que se quer para o futuro, continuaremos a persistir em fogachos de ação que não resolvem, só mitigam ou adiam.

É preciso capacidade para gerar compromisso, não para assegurar soluções do passado, que falharam por serem incompletas ou estarem direcionadas apenas para uma parte do todo, mas para caminhos sustentados que respondam ao que é estrutural, antes de procurar novas áreas de intervenção do Estado ou de transformação da sociedade. As funções essenciais do Estado têm de ser cumpridas de forma irrepreensível, até pelo nível de carga fiscal existente em função dos rendimentos, antes de se mexer no que funciona no mercado ou na sociedade. Não é cometer o erro da implosão das PPP na saúde antes de colocar o SNS a funcionar de forma sustenta e a responder às pessoas, só por preconceito ideológico, para agora ter o PCP a contestar o funcionamento dos equipamentos que funcionavam bem no outro enquadramento. É um pouco como a comiseração do PSD tardia em relação às expressões de descontentamento nas forças de segurança, que começaram por um ser um protesto em relação ao estado das viaturas utilizadas pela PSP. Só no Distrito de Lisboa, por via do desmantelamento do Governo Civil, realizado pelo PSD/CDS, a PSP e a GNR deixaram de contar, nestes 13 anos, com um investimento em equipamentos na ordem dos 6,5 milhões de euros. Na proteção civil, o valor é similar. Toda ação tende a ter uma consequência. O impacto da soma das ações pode ser uma desgraça.

As realidades raramente resultam apenas de um fator, antes são o acumular de situações de ação ou de omissão, que concorrem para a sua configuração. Nesta questão concreta das forças de segurança, somar a injustiça da não generalização de um subsídio de risco atribuído à Polícia Judiciária, à baixa remuneração, à indigência dos alojamentos, às colocações longe da família, às debilidades das condições operacionais e à falta de proteção no exercício adequado da autoridade do Estado, é colocarem-se a jeito numa área que é pressuposto do funcionamento social e que precisa de respostas sustentadas no tempo e integradas numa visão global. Aliás, nesse esforço de resposta consequente tem de estar presente um modelo de organização da segurança em mobilidade, com proximidade e presença persistente, em função das dinâmicas e não da visão estática das esquadras a cada esquina.

Portugal está definitivamente em modo de leilões dos futuros, entre o certo e o incerto, o passado e a promessa, a verdade e o triunfo do populismo, o acervo e o posicionamento eleitoral, tudo em busca da maior mobilização do voto dos eleitores. Neste tempo da esperança na forma tentada, 50 anos depois de abril, precisamos mais do que nunca que às tentativas de tapar o sol com a peneira se responda com uma redobrada capacidade dos eleitores em peneirar os protagonistas, as propostas, os compromissos para a governação e a sustentabilidade das soluções. Nos grumos, terá de ficar claro que não há dinheiro para tudo e para todos, que não pode continuar a haver sempre para os mesmos e que não é sustentável continuar a deixar sem resposta problemas, pessoas e territórios que são parte do todo. Nos grumos da esperança na forma tentada, ficariam os populismos, os radicalismos e as propostas sem nexo ou equilíbrio, mas isso implicava ter feito outro trabalho de formação cívica dos eleitores e de ação no exercício político. Agora, é tentar conter os danos, para que a esperança na forma tentada não se transforme em desilusão, desencanto e embarque nos cantos populistas que se instalaram. É esperar que reste alguma coisa de critério e assertividade crítica na peneira alheia.

NOTAS FINAIS

A TRAGÉDIA DA HEMORRAGIA DEMOGRÁFICA. A complacência com as causas e as consequências de 30% dos nascidos em Portugal com idades entre os 15 e os 39 anos terem deixado o país em algum momento e viverem atualmente no exterior, é verdadeiramente de lesa-pátria e a exigir resposta sustentada urgente. Segundo o Observatório da Emigração, Portugal tem a taxa de emigração mais alta da Europa e uma das maiores do mundo.

AJUSTE DE BLOCO. Entre a afirmação e a falta de senso, o Bloco de Esquerda e a sua liderança vai verberando narrativas como se não tivesse sido parte da solução que gerou muitas das causas e das consequências das realidades atuais. Pelo meio, ensaia ajustes de contas. Devia começar lá por casa, consigo próprio.

UMA DÉCADA DE ARTIGO SEMANAIS. Por estes dias, perfez uma década de colaboração ininterrupta semanal com este jornal, sempre em liberdade, sem qualquer limitação – além dos caracteres- e sustentado sentido crítico. Grato pela oportunidade num espaço de imprensa livre do Portugal democrático.

Agora que estão em curso diversos leilões sobre o futuro, a partir das narrativas políticas, de propostas eleitorais e de posicionamentos pontuados pelo desejo de mobilizar o eleitorado para o dia 10 de março, era bom que esta esperança na forma tentada partisse de mínimos de senso e de avaliação das razões que estão na base dos descontentamentos e dos problemas que persistem, sejam eles, estruturais ou de circunstância. Não o fazer, é um primeiro passo para continuar a concretizar soluções políticas de turno e respostas que não resolvem os problemas gerais além do afago dos nichos eleitorais ou de impulsos simbólicos, inconsequentes para a maioria da população.

A esperança, mesmo na forma tentada, precisa de algum nível de compromisso com a verdade, a coerência, a explicação e a sustentabilidade, não pode ser um mero exercício de circunstância eleitoral orientado para a obtenção do voto que depois tudo poderá permitir, mesmo que seja diferente do enunciado e mais em linha com as bases ideológicas de cada um.

É preciso avaliar o passado e compreender as razões que determinam a emergência de situações menos positivas para os equilíbrios e as motivações que estão presentes no funcionamento da sociedade e nos comportamentos individuais. Sem ter a noção dessa linha do tempo e dos acontecimentos, da necessidade em se construírem respostas sustentadas às realidades e ao caminho que se quer para o futuro, continuaremos a persistir em fogachos de ação que não resolvem, só mitigam ou adiam.

É preciso capacidade para gerar compromisso, não para assegurar soluções do passado, que falharam por serem incompletas ou estarem direcionadas apenas para uma parte do todo, mas para caminhos sustentados que respondam ao que é estrutural, antes de procurar novas áreas de intervenção do Estado ou de transformação da sociedade. As funções essenciais do Estado têm de ser cumpridas de forma irrepreensível, até pelo nível de carga fiscal existente em função dos rendimentos, antes de se mexer no que funciona no mercado ou na sociedade. Não é cometer o erro da implosão das PPP na saúde antes de colocar o SNS a funcionar de forma sustenta e a responder às pessoas, só por preconceito ideológico, para agora ter o PCP a contestar o funcionamento dos equipamentos que funcionavam bem no outro enquadramento. É um pouco como a comiseração do PSD tardia em relação às expressões de descontentamento nas forças de segurança, que começaram por um ser um protesto em relação ao estado das viaturas utilizadas pela PSP. Só no Distrito de Lisboa, por via do desmantelamento do Governo Civil, realizado pelo PSD/CDS, a PSP e a GNR deixaram de contar, nestes 13 anos, com um investimento em equipamentos na ordem dos 6,5 milhões de euros. Na proteção civil, o valor é similar. Toda ação tende a ter uma consequência. O impacto da soma das ações pode ser uma desgraça.

As realidades raramente resultam apenas de um fator, antes são o acumular de situações de ação ou de omissão, que concorrem para a sua configuração. Nesta questão concreta das forças de segurança, somar a injustiça da não generalização de um subsídio de risco atribuído à Polícia Judiciária, à baixa remuneração, à indigência dos alojamentos, às colocações longe da família, às debilidades das condições operacionais e à falta de proteção no exercício adequado da autoridade do Estado, é colocarem-se a jeito numa área que é pressuposto do funcionamento social e que precisa de respostas sustentadas no tempo e integradas numa visão global. Aliás, nesse esforço de resposta consequente tem de estar presente um modelo de organização da segurança em mobilidade, com proximidade e presença persistente, em função das dinâmicas e não da visão estática das esquadras a cada esquina.

Portugal está definitivamente em modo de leilões dos futuros, entre o certo e o incerto, o passado e a promessa, a verdade e o triunfo do populismo, o acervo e o posicionamento eleitoral, tudo em busca da maior mobilização do voto dos eleitores. Neste tempo da esperança na forma tentada, 50 anos depois de abril, precisamos mais do que nunca que às tentativas de tapar o sol com a peneira se responda com uma redobrada capacidade dos eleitores em peneirar os protagonistas, as propostas, os compromissos para a governação e a sustentabilidade das soluções. Nos grumos, terá de ficar claro que não há dinheiro para tudo e para todos, que não pode continuar a haver sempre para os mesmos e que não é sustentável continuar a deixar sem resposta problemas, pessoas e territórios que são parte do todo. Nos grumos da esperança na forma tentada, ficariam os populismos, os radicalismos e as propostas sem nexo ou equilíbrio, mas isso implicava ter feito outro trabalho de formação cívica dos eleitores e de ação no exercício político. Agora, é tentar conter os danos, para que a esperança na forma tentada não se transforme em desilusão, desencanto e embarque nos cantos populistas que se instalaram. É esperar que reste alguma coisa de critério e assertividade crítica na peneira alheia.

NOTAS FINAIS

A TRAGÉDIA DA HEMORRAGIA DEMOGRÁFICA. A complacência com as causas e as consequências de 30% dos nascidos em Portugal com idades entre os 15 e os 39 anos terem deixado o país em algum momento e viverem atualmente no exterior, é verdadeiramente de lesa-pátria e a exigir resposta sustentada urgente. Segundo o Observatório da Emigração, Portugal tem a taxa de emigração mais alta da Europa e uma das maiores do mundo.

AJUSTE DE BLOCO. Entre a afirmação e a falta de senso, o Bloco de Esquerda e a sua liderança vai verberando narrativas como se não tivesse sido parte da solução que gerou muitas das causas e das consequências das realidades atuais. Pelo meio, ensaia ajustes de contas. Devia começar lá por casa, consigo próprio.

UMA DÉCADA DE ARTIGO SEMANAIS. Por estes dias, perfez uma década de colaboração ininterrupta semanal com este jornal, sempre em liberdade, sem qualquer limitação – além dos caracteres- e sustentado sentido crítico. Grato pela oportunidade num espaço de imprensa livre do Portugal democrático.

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Esperança na forma tentada

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16.01.2024

Esperança na forma tentada

Portugal está definitivamente em modo de leilões dos futuros, entre o certo e o incerto, o passado e a promessa, a verdade e o triunfo do populismo, o acervo e o posicionamento eleitoral.

Agora que estão em curso diversos leilões sobre o futuro, a partir das narrativas políticas, de propostas eleitorais e de posicionamentos pontuados pelo desejo de mobilizar o eleitorado para o dia 10 de março, era bom que esta esperança na forma tentada partisse de mínimos de senso e de avaliação das razões que estão na base dos descontentamentos e dos problemas que persistem, sejam eles, estruturais ou de circunstância. Não o fazer, é um primeiro passo para continuar a concretizar soluções políticas de turno e respostas que não resolvem os problemas gerais além do afago dos nichos eleitorais ou de impulsos simbólicos, inconsequentes para a maioria da população.

A esperança, mesmo na forma tentada, precisa de algum nível de compromisso com a verdade, a coerência, a explicação e a sustentabilidade, não pode ser um mero exercício de circunstância eleitoral orientado para a obtenção do voto que depois tudo poderá permitir, mesmo que seja diferente do enunciado e mais em linha com as bases ideológicas de cada um.

É preciso avaliar o passado e compreender as razões que determinam a emergência de situações menos positivas para os equilíbrios e as motivações que estão presentes no funcionamento da sociedade e nos comportamentos individuais. Sem ter a noção dessa linha do tempo e dos acontecimentos, da necessidade em se construírem respostas sustentadas às realidades e ao caminho que se quer para o futuro, continuaremos a persistir em fogachos de ação que não resolvem, só mitigam ou adiam.

É preciso capacidade para gerar compromisso, não para assegurar soluções do passado, que falharam por serem incompletas ou estarem direcionadas apenas para uma parte do todo, mas para caminhos sustentados que respondam ao que é estrutural, antes de procurar novas áreas de intervenção do Estado ou de transformação da sociedade. As funções essenciais do Estado têm de ser cumpridas de forma irrepreensível, até pelo nível de carga fiscal existente em função dos rendimentos, antes de se mexer no que funciona no mercado ou na sociedade. Não é cometer o erro da implosão das PPP na saúde antes de colocar o SNS a funcionar de forma sustenta e a responder às pessoas, só por preconceito ideológico, para agora ter o PCP a contestar o funcionamento dos equipamentos que funcionavam bem no outro enquadramento. É um pouco como a comiseração do PSD tardia em relação às expressões de descontentamento nas forças de segurança, que começaram por um ser um protesto em relação ao estado das viaturas utilizadas pela PSP. Só no Distrito de Lisboa, por via do desmantelamento do Governo Civil, realizado pelo PSD/CDS, a PSP e a GNR deixaram de contar, nestes 13 anos, com um investimento em equipamentos na ordem dos 6,5 milhões de euros. Na proteção civil, o valor é similar. Toda ação tende a ter uma consequência. O impacto da soma das ações pode ser uma desgraça.

As realidades raramente resultam apenas de um fator, antes são o acumular de situações de ação ou de omissão, que concorrem para a sua configuração. Nesta questão concreta das forças de segurança, somar a injustiça da não generalização de um subsídio de risco atribuído à Polícia Judiciária, à baixa remuneração, à indigência dos alojamentos, às colocações longe da família, às debilidades das condições operacionais e à falta de proteção no exercício adequado da autoridade do Estado, é colocarem-se a jeito numa área que é pressuposto do funcionamento social e que precisa de respostas sustentadas no tempo e integradas numa visão global. Aliás, nesse esforço de resposta consequente tem de estar presente........

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